quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O Menino Que Carregava Água Na Peneira, Manoel de Barros

The gardener, by Beatriz Trixis


Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.
Com o tempo aquele menino 
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu
que era capaz de ser 
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro 
botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos.
Manoel de Barros 
Manoel Wenceslau Leite de Barros (Cuiabá, 19 de dezembro de 1916) é um poeta brasileiro do século XX, pertencente, cronologicamente à Geração de 45, mas formalmente ao Modernismo brasileiro, se situando mais próximo das vanguardas européias do início do século e da Poesia Pau-Brasil e da Antropofagia de Oswald de Andrade. Recebeu vários prêmios literários, entre eles, dois Prêmios Jabutis. É o mais aclamado poeta brasileiro da contemporaneidade nos meios literários. Enquanto ainda escrevia, Carlos Drummond de Andrade recusou o epíteto de maior poeta vivo do Brasil em favor de Manoel de Barros. Sua obra mais conhecida é o "Livro sobre Nada" de 1996.
Fonte: Livro: Exercícios de ser criança, Manoel de Barros - Editora Salamandra

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