terça-feira, 31 de julho de 2012

Esperança, Roseana Murray




'Muitos são os que carregam
água na peneira,
como disse o poeta Manoel de Barros,
e esperança como estrela
na lapela.
Muitos são os que acreditam
em coisas simples e limpas,
em coisas essenciais,
amor, amizade, delicadeza,
paz,
e tantas outras palavras,
antigas e urgentes.'


Roseana Murray, poetisa infanto-juvenil carioca.


LivroManual da Delicadeza de A a Z, ed. FTD


Leia mais:
http://www.roseanamurray.com/biografia.asp

segunda-feira, 30 de julho de 2012

O mestre Zen e o terremoto, Osho



Aconteceu que um mestre Zen foi chamado como convidado. Alguns amigos haviam se reunido e estavam comendo e conversando quando, de repente, houve um terremoto. O prédio em que eles estavam era um prédio de sete andares, e eles estavam no sétimo andar, então a vida estava em perigo.Todo mundo tentou escapar. O anfitrião, correndo, olhou para ver o que tinha acontecido com o mestre. Ele estava ali sem sequer uma ruga de preocupação no rosto. Com os olhos fechados, ele estava sentado em sua cadeira da mesma maneira que estava sentado antes.

O anfitrião sentiu-se um pouco culpado, sentiu-se um pouco covarde; não fica bem que o hóspede fique sentado e o anfitrião fuja. Os outros, os outros vinte hóspedes, já tinham descido as escadas, mas ele parou, embora estivesse tremendo de medo, e se sentou ao lado do mestre.O terremoto chegou e passou, o mestre abriu os olhos e retomou a palestra que, por causa do terremoto, havia interrompido. Ele continuou novamente, exatamente na mesma frase - como se o terremoto não tivesse acontecido.O anfitrião estava agora sem vontade de ouvir, não estava com disposição de entender porque todo o seu ser estava muito perturbado e ele estava com muito medo. Mesmo que o terremoto já tivesse ido embora, o medo ainda estava lá.

Ele disse:

"Agora não diga nada, porque não serei capaz de compreender, não sou mais o mesmo. O terremoto me perturbou muito. Mas há uma pergunta que eu gostaria de fazer. Todos os outros hóspedes haviam escapado, eu também estava na escada, já quase correndo, quando de repente me lembrei de você. Vendo você aqui sentado com os olhos fechados, sentado tão tranquilo, tão imperturbável, me senti um pouco covarde - sou o anfitrião, eu não deveria correr. Então voltei e estou aqui sentado ao seu lado. Gostaria de fazer uma pergunta. Nós todos tentamos fugir. O que aconteceu a você? O que você me diz sobre o terremoto?"
O mestre disse:

"Eu também fugi, mas você fugiu para fora, eu fugi para dentro. Sua fuga é inútil porque para onde quer que você esteja indo lá também há um terremoto, então é sem sentido, não faz sentido. Você pode alcançar o sexto andar ou quinto ou o quarto, mas lá também há um terremoto. Eu fugi para um ponto dentro de mim onde nenhum terremoto jamais chega, não pode chegar. Entrei em meu centro.
Isso é o que Lao Tzu diz:


"Agarre-se firmemente ao princípio da Quietude"

Se você é passivo, aos poucos vai se tornar consciente do centro dentro de você. Você o tem carregado o tempo todo, ele sempre esteve aí, só que você não sabe, não está alerta.

Uma vez que você fique alerta sobre ele, a vida em sua totalidade se torna diferente. 

Você pode permanecer no mundo e fora dele porque você está sempre em contato com o seu centro. 

Você pode passar por um terremoto e permanecer imperturbável porque nada toca você.
No Zen eles têm um ditado que diz que um mestre Zen que tenha alcançado o seu centro interior pode passar por um riacho, mas a água (*) nunca toca seus pés . Isso é belo.

(*) água é a representação das emoções.

Não quer dizer que a água nunca toca seus pés - a água vai tocá-los -, refere-se a algo sobre o mundo interior, o profundo interior. Nada o toca, tudo permanece fora, na periferia, e o centro permanece intocado, puro, inocente, virgem.


Osho, em "Living Tao" 

Fonte: http://www.palavrasdeosho.com/2011/03/o-mestre-zen-e-o-terremoto.html

domingo, 29 de julho de 2012

No Jardim, Guttemberg Guarabyra



Claro que o jardim é lindo. Por Deus, longe de mim achar que o pátio repleto de canteiros e rodeado pelo muro velho e úmido, por onde se desenham as heras, não é uma visão no mínimo bela. Na verdade, trata-se de uma paisagem sublime, enternecedora, rara, que me proporciona momentos de intensa e profunda paz. Minha aflição, portanto, não está ligada a nenhuma cisma com a formosura do lugar. Pelo contrário, pois aqui me sinto inteiramente revigorado pela brisa carregada de perfumes jovens e delicados e pelos pássaros em movimento constante e alegre. No entanto, não sei definir ao certo se esta emoção que experimento agora, enquanto caminho entre flores, não aumenta meu infortúnio. Evidentemente, guardo a suposição apenas para mim. Deus sabe que eu não perturbaria, por qualquer vão motivo, uma anfitriã tão hospitaleira.

Descendo mais à frente, passamos pela fonte que mencionara ao me convidar para visitar o jardim. Pelo que havia descrito no dia em que solicitou meu comparecimento, não imaginei que me defrontaria com um terreno tão grandemente organizado e com alamedas tão perfeitamente cultivadas. Aliás, confesso que aceitei o chamado apenas porque algo aqui dentro me advertiu para aceitá-lo. Não fosse esse toque misterioso, essa brincadeira enigmática, juro que não aceitaria a missão de avaliar um jardim que, ao que tudo indicava, não merecia minha apreciação. Ainda mais numa semana em que me sentia tão desanimado.


Deus, essa Presença que sempre esteve comigo enquanto cuidei, tratei, cultivei cada planta, cada flor, sabe o quanto gosto de jardins e o quanto desejo ajudar a todos que os cultivam. Mas, nessa idade, e depois de ter construído tantos jardins mundo afora, sinto-me cada vez mais cansado e a cada dia menos disposto a trocar minha cama macia pela visão de crisântemos, copos-de-leite, estrelas-do-norte ou de jerusalém. Hoje, quedo-me inteiramente satisfeito apenas ao divisar as jabuticabeiras no quintal, que aprecio através da janela do quarto. Para meus olhos, que tanto se encheram de cores vida afora, as frutas negras, grudadas no caule são o bastante para proporcionar às minhas retinas exaustas um bom e merecido descanso.


Deus, porém, tão amigo, sabe como tirar a gente do marasmo. E, com aquele toque sutil, me fez aceitar o convite inesperado. E é assim que cá estou, espirrando entre os gerânios, tropicando nos canteiros e procurando convencer esta fada que me guia, de que minha aflição, de que minha tosse nervosa nada tem a ver com o cultivo perfeito que me apresenta. Tem a ver apenas com a visão do amor-perfeito e humano e doce que ela me inspira; flor de pele, roçar de ramos de cabelos. E, certamente, tem a ver com Deus. Para recompensar o tempo de vida que passei cuidando de suas delicadas e perfumadas criaturas, foi que Ele me tocou para aceitar o convite. Assim, recebo humilde o presente; e, entre as cores mais fulgurantes, tusso, tropeço e vou em frente, por entre as despedidas-de-verão, pela claridade perturbadora destes olhos, e por essa dádiva magnífica, tardada brincadeira de Deus.


Guttemberg Guarabyra

Guttemberg Nery Guarabyra Filho (Barra do Rio Grande (Bahia), 20 de novembro de 1947) é um músico, compositor, escritor e poeta brasileiro.
Entre seus maiores sucessos como compositor estão as canções "Mestre Jonas" e "Outra vez na estrada" (ambas em parceria com Luiz Carlos Sá e Zé Rodrix), "Casaco marrom" (com Renato Correa e Danilo Caymmi), "Sobradinho" (com Luiz Carlos Sá) e "Espanhola" (com Flávio Venturini).
Guarabyra foi também diretor e produtor musical de televisão, colunista e cronista da Agência Estado e do jornal Diário Popular. Publicou um livro de ficção - Do Outro Lado do Mundo (São Paulo: Editora Moderna, 1999).



Leia mais:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Guttemberg_Guarabyra

http://www.germinaliteratura.com.br/gutbyra.htm






sábado, 28 de julho de 2012

Saber viver, Cora Coralina


Não sei… Se a vida é curta
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo,
É o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
Não seja nem curta,
Nem longa demais,
Mas que seja intensa,
Verdadeira, pura… Enquanto durar.

Cora Coralina

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Poesia de Thay, Thich Nhat Hanh






Eu cheguei.

Tenho aqui

 
No agora


O meu lar.


Eu sou firme.


Eu sou livre.


Eu habito no absoluto.




Thich Nhat Hanh - Meditação Andando


Thay (como é carinhosamente chamado) é monge budista, além de poeta, erudito e mestre da ordem TIEP HIEN ou ordem Interser. Viveu os horrores da guerra do Vietnam, sua terra natal, mas superou toda a ira e hoje trabalha aconselhando lideres políticos (e pessoas comuns também) para uma vida mais harmoniosa, e um mundo mais pacífico. Sua história de vida é muito bonita. Vale a pena visitar o blog e conhecer mais:


http://interserblog.blogspot.com.br/2007/01/poesia-do-thay.html



quinta-feira, 26 de julho de 2012

O terceiro ato da vida, Jane Fonda







Jane Fonda, nesta brilhante explanação, aborda sobre o Terceiro Ato -as 3 últimas décadas de nossa vida-. Auto-compreensão rumo à libertação. Não importa quem fomos, mas o que tornamos com quem somos. Emocionante!


http://www.youtube.com/watch?v=ARVIzmeZnvw

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Entrego, aceito, confio e agradeço, Professor Hermógenes




Numa entrevista, perguntaram para o Professor Hermógenes (escritor, professor e divulgador brasileiro de Hatha Yoga), hoje com 91 anos, qual o segredo para juventude.Ele, então, respondeu que a fórmula “mágica” era: Entregar, Confiar, Aceitar e Agradecer! Tão simples e tão difícil de executar!Pensem nestas palavras e vejam o quão difícil é exercitá-las em nosso dia-a-dia… Vivemos tão cheios de expectativas em relação a nós mesmos e aos outros, buscando resultados a qualquer custo, querendo controlar tudo a nossa volta e, quando nos percebemos, estamos perdidos…  Procuramos “remédios” fora de nós mesmos, o que muitas vezes nos causam mais sofrimentos.Segundo o professor, é nas horas de profundo sofrimento que você alcança a metanóia (é uma palavra grega que significa “mudar a direção da mente”).

Segue abaixo o texto do Professor Hermógenes para reflexão:

“Envolvidos por uma situação de estresse violento, de desafio alarmante, assaltados pela dor em forma de doença, pelo desemprego, desconforto, quando imersos numa crise que ultrapassa nossas esperanças de solução, é imperioso mobilizar todos nossos talentos, poderes, possibilidades, nossas reservas, para tentar uma saída, uma superação. Depois disso, se ainda nos vemos submetidos, manietados, derrotados, extenuados, vencidos, condenados… que resta fazer?Para fazer face á situações assim, que me convencem de minha impotência, tenho aplicado, com vitória, uma estratégia que minha longa existência me fez aprender: entrego o problema ou entrego a mim mesmo, confiando na providência divina e, portanto, predisposto a aceitar o que vier como resposta, e, numa prova de amor e fé, agradeço a Deus, antecipadamente, pela resposta que Ele achar melhor, seja qual for. Entrego, confio, aceito e agradeço!A entrega não chega a ser verdadeira se desejamos uma determinada resposta. Se nos entregarmos totalmente, de imediato a paz nos acaricia. Aí, naturalmente deixamos a batalha com Deus, que tudo pode, para que ele batalhe por nós. O alívio é imediato. Estar entregue a Deus é a mais perfeita condição de ahimsa, de brandura, de sábia imobilidade e, por isso mesmo, a mais eficaz.Suponho que Deus, que sempre nos quer vivos, sadios, felizes, vitoriosos, se sente homenageado quando Lhe damos a chance de nos socorrer. Ele, que sempre deseja nossa fiel e incondicional confiança, aproveita a entrega e põe a nosso favor Sua onisciência, onipresença, onipotência, e é só o que nos salva. Enquanto, apavorados, estressados, nos debatemos em gestos inócuos, desesperados, imprecisos, violentos e agoniados, ele não encontra condições de assumir nossa batalha; não tem como atuar.Ter fé em que Deus nos dará isso ou nos livrará daquilo é o que mais se vê. E achamos que agir assim é ter fé. Não é. A verdadeira fé consiste em calar para que Ele fale, em nos render ao que Ele quiser fazer de nós e por nós. Entenda este “seja feita a Vossa vontade” como wuwey, brandura, ahimsa, não-violência, saranagathi.Se você quiser dar uma chance a Deus para que Ele ganhe a batalha, para que o salve, cure, liberte, ilumine, pacifique, o que tem a fazer é precisamente oferecer-Lhe sua quietude, sua brandura, sua não-violência. Se continuar afobado, como pode Deus atuar?”



Professor Hermógenes 


http://www.profhermogenes.com.br/site/?page_id=2

terça-feira, 24 de julho de 2012

História d´um cão, Luiz Guimarães



Meu querido e saudoso avô Oscar sempre contava aos netos todas as férias com muita emoção este lindo poema. 

"Eu tive um cão. Chamava-se Veludo:
Magro, asqueroso, revoltante, imundo,
Para dizer numa palavra tudo
Foi o mais feio cão que houve no mundo

Recebi-o das mãos dum camarada.
Na hora da partida, o cão gemendo
Não me queria acompanhar por nada:
Enfim - mau grado seu - o vim trazendo.

O meu amigo cabisbaixo, mudo,
Olhava-o ... o sol nas ondas se abismava....
«Adeus!» - me disse,- e ao afagar Veludo
Nos olhos seus o pranto borbulhava.

«Trata-o bem. Verás como rasteiro
Te indicarás os mais sutís perigos;
Adeus! E que este amigo verdedeiro
Te console no mundo ermo de amigos.»

Veludo a custo habituou-se à vida
Que o destino de novo lhe escolhera;
Sua rugosa pálpebra sentida
Chorava o antigo dono que perdera.

Nas longas noites de luar brilhante,
Febril, convulso, trêmulo, agitado
A sua cauda - caminhava errante
A luz da lua - tristemente uivando

Toussenel: Figuier e a lista imensa
Dos modernos zoológicos doutores
Dizem que o cão é um animal que pensa:
Talvez tenham razão estes senhores.

Lembro-me ainda. Trouxe-me o correio,
Cinco meses depois, do meu amigo
Um envelope fartamente cheio:
Era uma carta. Carta! era um artigo

Contendo a narração miuda e exata
Da travessia. Dava-me importantes
Notícias do Brasil e de La Plata,
Falava em rios, árvores gigantes:

Gabava o steamer que o levou; dizia
Que ia tentar inúmeras empresas:
Contava-me também que a bordo havia
Mulheres joviais - todas francesas. 

Assombrava-me muito da ligeira
Moralidade que encontrou a bordo:
Citava o caso d’uma passageira...
Mil coisas mais de que me não recordo.

Finalmente, por baixo disso tudo
Em nota breve do melhor cursivo
Recomendava o pobre do Veludo
Pedindo a Deus que o conservasse vivo.

Enquanto eu lia, o cão tranquilo e atento
Me contemplava, e - creia que é verdade,
Vi, comovido, vi nesse momento
Seus olhos gotejarem de saudade.

Depois lambeu-me as mãos humildemente,
Estendeu-se a meus pés silencioso
Movendo a cauda, - e adormeceu contente
Farto d’um puro e satisfeito gozo.

Passou-se o tempo. Finalmente um dia
Vi-me livre d’aquele companheiro;
Para nada Veludo me servia,
Dei-o à mulher d’um velho carvoeiro.

E respirei! «Graças a Deus! Já posso»
Dizia eu «viver neste bom mundo
Sem ter que dar diariamente um osso
A um bicho vil, a um feio cão imundo».

Gosto dos animais, porém prefiro
A essa raça baixa e aduladora
Um alazão inglês, de sela ou tiro,
Ou uma gata branca sismadora.

Mal respirei, porém! Quando dormia
E a negra noite amortalhava tudo
Sentí que à minha porta alguem batia:
Fui ver quem era. Abrí. Era Veludo.

Saltou-me às mãos, lambeu-me os pés ganindo,
Farejou toda a casa satisfeito;
E - de cansado - foi rolar dormindo
Como uma pedra, junto do meu leito.

Preguejei furioso. Era execrável
Suportar esse hóspede importuno
Que me seguia como o miserável
Ladrão, ou como um pérfido gatuno.

E resolvi-me enfim. Certo, é custoso
Dizê-lo em alta voz e confessá-lo
Para livrar-me desse cão leproso
Havia um meio só: era matá-lo

Zunia a asa fúnebre dos ventos;
Ao longe o mar na solidão gemendo
Arrebentava em uivos e lamentos...
De instante em instante ia o tufão crescendo.

Chamei Veludo; ele seguia-me. Entanto
A fremente borrasca me arrancava
Dos frios ombros o revolto manto
E a chuva meus cabelos fustigava.

Despertei um barqueiro. Contra o vento,
Contra as ondas coléricas vogamos;
Dava-me força o torvo pensamento:
Peguei num remo - e com furor remamos

Veludo à proa olhava-me choroso
Como o cordeiro no final momento,
Embora! Era fatal! Era forçoso
Livrar-me enfim desse animal nojento.

No largo mar ergui-o nos meus braços
E arremessei-o às ondas de repente...
Ele moveu gemendo os membros lassos
Lutando contra a morte. Era pungente.

Voltei à terra - entrei em casa. O vento
Zunia sempre na amplidão profundo.
E pareceu-me ouvir o atroz lamento
De Veludo nas ondas morimbundo.

Mas ao despir dos ombros meus o manto
Notei - oh grande dor! - haver perdido
Uma relíquia que eu prezava tanto!
Era um cordão de prata: - eu tinha-o unido

Contra o meu coração constantemente
E o conservava no maior recato
Pois minha mãe me dera essa corrente
E, suspenso à corrente, o seu retrato.

Certo caira lém no mar profundo,
No eterno abismo que devora tudo;
E foi o cão, foi esse cão imundo
A causa do meu mal! Ah, se Veludo

Duas vidas tivera - duas vidas
Eu arrancara àquela besta morta
E àquelas vís entranhas corrompidas.
Nisto sentí uivar à minha porta.

Corrí, - abrí... Era Veludo! Arfava:
Estendeu-se a meus pés, - e docemente
Deixou cair da boca que espumava
A medalha suspensa da corrente.

Fôra crível, oh Deus? - Ajoelhado
Junto do cão - estupefato, absorto,
Palpei-lhe o corpo: estava enregelado;

Sacudi-o, chamei-o! Estava morto."

Luiz Guimarães

Luís Guimarães Júnior (L. Caetano Pereira G. J.), diplomata, poeta, romancista e teatrólogo, nasceu no Rio de Janeiro em 17 de fevereiro de 1845 e faleceu em Lisboa, Portugal, em 20 de maio de 1898. Foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras, tendo como patrono o poeta Pedro Luís. Luíz Guimarães Júnior é, desde os fins do século XIX, um dos nomes mais citados e mais queridos dentre os poetas brasileiros. A poesia romântica no caminho do parnasianismo tem, nele um elo precioso e inesquecível. Na carreira diplomática, chegou a ministro servido em Santiago do Chile, Roma e Lisboa. Já aposentado, morou em Lisboa, onde gozou da amizade de alguns dos principais intelectuais do período, como Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro e Fialho Almeida.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Verdade, Carlos Drummond de Andrade



 
A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.




Carlos Drummond de Andrade
, (Itabira do Mato Dentro [Itabira] MG, 1902 - Rio de Janeiro RJ, 1987) formou-se em Farmácia, em 1925; no mesmo ano, fundava, com Emílio Moura e outros escritores mineiros, o periódico modernista A Revista. Em 1934 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde assumiu o cargo de chefe de gabinete de Gustavo Capanema, Ministro da Educação e Saúde, que ocuparia até 1945. Durante esse período, colaborou, como jornalista literário, para vários periódicos, principalmente o Correio da Manhã. Nos anos de 1950, passaria a dedicar-se cada vez mais integralmente à produção literária, publicando poesia, contos, crônicas, literatura infantil e traduções. Entre suas principais obras poéticas estão os livros Alguma Poesia (1930), Sentimento do Mundo (1940), A Rosa do Povo (1945), Claro Enigma (1951), Poemas (1959), Lição de Coisas (1962), Boitempo (1968), Corpo (1984), além dos póstumos Poesia Errante (1988), Poesia e Prosa (1992) e Farewell (1996). Drummond produziu uma das obras mais significativas da poesia brasileira do século XX. Forte criador de imagens, sua obra tematiza a vida e os acontecimentos do mundo a partir dos problemas pessoais, em versos que ora focalizam o indivíduo, a terra natal, a família e os amigos, ora os embates sociais, o questionamento da existência, e a própria poesia.


http://drummond.memoriaviva.com.br/alguma-poesia/verdade/

domingo, 22 de julho de 2012

Bicicleta, Augusto Martini


Acrylic painting by Lindy Gruger Hanson


Desde criança, sempre gostei muito de andar de bicicleta. Rio Claro, minha cidade natal, é muito propícia para isso. Também é conhecida como a “cidade das bicicletas”.

Aprendi a andar em uma “monark”. Meu pai a usava diariamente para ir ao trabalho. Lembro-me de uma vez, em um final de tarde, que montei nela e fui até o armazém comprar mortadela. Voltei a pé e a esqueci ali, estacionada na calçada. Pela manhã, meu pai foi pegar a “magrela” e nada. Depois lembrou que o último a usá-la fui eu. Caminhou até o armazém, procurou o Sr. Guido, explicou o caso e ele disse – “Sr. Antonio, hoje, pela manhã, quando cheguei, vi sua bicicleta estacionada na calçada e a guardei”. Ela ficou a noite toda lá, na calçada e ninguém a levou! Coisas de antigamente.
Para mim, quando morava em Rio Claro, o andar de bicicleta era um ritual. Escolhia a roupa, meias, sapatos, verificava a pressão dos pneus, verificava se havia fechado bem as portas e lá ia eu para o trabalho, supermercado, horto florestal, etc. Quando chovia, guarda-chuvas numa mão e a outra no guidão. Se a chuva era na volta do compromisso, tirava a camiseta, os sapatos e vinha sentindo os pingos no rosto e pelo tronco, braços e pés. Uma delícia.
Montado na bicicleta, sentia-me livre. Via por cima dos muros. Sentia o cheiro das flores das jabuticabeiras que habitavam os quintais…
Quando dormia demais e o tempo era curto, jogava uma roupa qualquer no corpo, tomava um copo de leite e saía com o pão na mão. Pedalando e comendo. Nada mais havia em que pensar. Apenas no cuidado de não prender as calças na corrente ou o cadarço do sapato no pedal. Não tinha capacete e de vez em quando usava um boné se o sol estivesse muito forte. Se o pneu furasse voltava para casa a pé, empurrando a bicicleta. Quando o furo era pequeno, chegava a andar semanas com ele sem o reparar. Apenas parava mais nos postos de gasolina para encher o pneu.
Aos finais de semana, pedalava bastante. Chegava a andar mais de 15 km até um bairro rural. Chegando lá, comprava uma Tubaína e uma “bengala” com mortadela. Era o banquete dos deuses. Comia e voltava para casa. Muitas vezes, durante o caminho, parava em um córrego para tomar banho.  Naquele tempo ainda existiam córregos despoluídos…
Minhas bicicletas nunca tiveram amortecedores. No máximo algumas catracas extras para amenizar o esforço nas subidas. Os impactos, absorvia-os com os braços, e levantava a bunda do selim quando percebia que cairia em um buraco.
Minha bicicleta era lavada frequentemente. A corrente era sempre lubrificada com um pouco a mais de óleo. Naquela época, as correntes e catracas não gastavam como as de hoje, as mudanças de marchas não “desafinavam”. As bicicletas apenas ganhavam alguns caprichos, alguns enfeites. Era tudo muito mais simples.
Foram as saudades desse tempo que me fizeram montar uma bicicleta mais simples e barata. Algo possivel de deixar amarrada em qualquer lugar sem ter que andar com o coração nas mãos.
Agora, morando em São Paulo, fica mais difícil de manter esse hobby tão gostoso. Após poucas saídas em finais de semana, constatei que era fácil combinar o uso de bicicleta com o metrô. Fiz uma experiência em um domingo. Mas ví que é algo inconcebível para mim, que quero liberdade e vento na cara.
Pedalar melhora a forma física, mesmo com poucos kms pedalados semanalmente. Isso, não fosse o perigo de andar de bicicleta no trânsito de São Paulo. Aqui ando mesmo é a pé. Mas, alguns percursos seriam bem mais rápidos se houvesse a possibilidade de fazê-los de bike. A pé, gosto de andar depressa. Tenho certeza que seria uma pessoa mais feliz se pudesse fazer todos os dias o que realmente gosto: andar de bicicleta. Não tenho carro. Não é por convicção, é mesmo por razões econômicas. Mas também sei que não preciso de um aqui nessa cidade maluca.
Ainda faço todo o ritual de andar de bicicleta descrito anteriormente, mas muito de vez em quando. Normalmente aos finais de semana, quando vou para Rio Claro. É uma forma de andar de bicicleta diferente. Somente aos finais de semana e feriados. Também é divertido, mas não é mais divertido. Andar de bicicleta é a minha paixão. Experimente, pode ser que também seja a sua.

sábado, 21 de julho de 2012

Aprendi e decidi, Walt Disney





E assim, depois de muito esperar, num dia como outro qualquer, decidi triunfar... 
Decidi não esperar as oportunidades e sim, eu mesmo buscá-las. 
Decidi ver cada problema como uma oportunidade de encontrar uma solução. 
Decidi ver cada deserto como uma possibilidade de encontrar um oásis. 
Decidi ver cada noite como um mistério a resolver. 
Decidi ver cada dia como uma nova oportunidade de ser feliz. 
Naquele dia descobri que meu único rival não era mais que minhas próprias limitações e que enfrentá-las era a única e melhor forma de as superar. 
Naquele dia, descobri que eu não era o melhor e que talvez eu nunca tivesse sido. 
Deixei de me importar com quem ganha ou perde. 
Agora me importa simplesmente saber melhor o que fazer. 
Aprendi que o difícil não é chegar lá em cima, e sim deixar de subir. 
Aprendi que o melhor triunfo é poder chamar alguém de"amigo". 
Descobri que o amor é mais que um simples estado de enamoramento, "o amor é uma filosofia de vida". 
Naquele dia, deixei de ser um reflexo dos meus escassos triunfos passados e passei a ser uma tênue luz no presente. 
Aprendi que de nada serve ser luz se não iluminar o caminho dos demais. 
Naquele dia, decidi trocar tantas coisas... 
Naquele dia, aprendi que os sonhos existem para tornar-se realidade. 
E desde aquele dia já não durmo para descansar... 
Simplesmente durmo para sonhar. 


Autoria de Walt Disney 

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Use Filtro Solar, Mary Schmich





Filtro solar!
Nunca deixem de usar o filtro solar
Se eu pudesse dar só uma dica sobre o futuro
seria esta: usem o filtro solar!
Os benefícios a longo prazo do uso de Filtro Solar estão provados e comprovados pela ciência,
Já o resto de meus conselhos não tem outra base confiável além de minha própria experiência errante.
Mas agora eu vou compartilhar esses conselhos com vocês...

Aproveite bem, o máximo que puder, o poder e a beleza da juventude.
Ou, então, esquece... Você nunca vai entender mesmo o poder e a beleza da juventude
até que tenham se apagado.
Mas pode crer que daqui a vinte anos você vai evocar as suas fotos,
E perceber de um jeito que você nem desconfia hoje em dia,
Quantas, tantas alternativas se escancaravam a sua frente.
E como você realmente estava com tudo em cima,
Você não está gordo ou gorda...

Não se preocupe com o futuro.
Ou então preocupe-se, se quiser, mas saiba que
pré-ocupação é tão eficaz quanto mascar chiclete para tentar
resolver uma equação de álgebra.
As encrencas de verdade em sua vida tendem a vir de coisas que nunca passaram pela sua cabeça preocupada,
E te pegam no ponto fraco às 4 da tarde de uma terça-feira modorrenta.

Todo dia, enfrente pelo menos uma coisa que te meta medo de verdade.

Cante.

Não seja leviano com o coração dos outros.
Não ature gente de coração leviano.
Use fio dental.

Não perca tempo com inveja.
Às vezes se está por cima,
às vezes por baixo.
A peleja é longa e, no fim,
é só você contra você mesmo.

Não esqueça os elogios que receber.
Esqueça as ofensas.
Se conseguir isso, me ensine.
Guarde as antigas cartas de amor.
Jogue fora os extratos bancários velhos.

Estique-se.

Não se sinta culpado por não saber o que fazer da vida
As pessoas mais interessantes que eu conheço não sabiam, aos
vinte e dois
o que queriam fazer da vida.
Alguns dos quarentões mais interessantes que eu conheço ainda
não sabem.

Tome bastante cálcio.
Seja cuidadoso com os joelhos.
Você vai sentir falta deles.

Talvez você case, talvez não.
Talvez tenha filhos, talvez não.
Talvez se divorcie aos quarenta, talvez dance ciranda em suas bodas de diamante.

Faça o que fizer não se auto congratule demais, nem seja severo demais com você,
As suas escolhas tem sempre metade das chances de dar certo,
É assim para todo mundo.
Desfrute de seu corpo use-o de toda maneira que puder, mesmo!!
Não tenha medo de seu corpo ou do que as outras pessoas possam achar dele,
É o mais incrível instrumento que você jamais vai possuir.

Dance.
Mesmo que não tenha aonde além de seu próprio quarto.
Leia as instruções mesmo que não vá segui-las depois.
Não leia revistas de beleza, elas só vão fazer você se achar feio

Refrão: Brother and Sister
Together we'll make it trough
Someday a spirit will take you
And guide you there
I know you've be hurting
But I've been waiting to be there for you
And I'll be there just helping you out
Whenever I can

Dedique-se a conhecer seus pais. É impossível prever quando eles terão ido embora, de vez.
Seja legal com seus irmãos. Eles são a melhor ponte com o seu passado e possivelmente quem vai sempre mesmo te apoiar no futuro.

Entenda que amigos vão e vem, mas nunca abra mão de uns poucos e bons.
Esforce-se de verdade para diminuir as distâncias geográficas e de estilos de vida, porque quanto mais velho você ficar,
Mais você vai precisar das pessoas que você conheceu quando jovem.

More uma vez em Nova York, mas vá embora antes de endurecer.
More uma vez no Havaí, mas se mande antes de amolecer.

Viaje.

Aceite certas verdades inescapáveis:
Os preços vão subir, os políticos vão saracotear, você também vai envelhecer.
E quando isso acontecer você vai fantasiar que quando era jovem os preços eram razoáveis, os políticos eram decentes,
E as crianças respeitavam os mais velhos.
Respeite os mais velhos!!
E não espere que ninguém segure a sua barra.
Talvez você arrume uma boa aposentadoria privada.
Talvez você case com um bom partido, mas não esqueça que um dos dois de repente pode acabar.
Não mexa demais nos cabelos se não quando você chegar aos 40 vai aparentar 85.

Cuidado com os conselhos que comprar,
mas seja paciente com aqueles que os oferecem.
Conselho é uma forma de nostalgia.
Compartilhar conselhos é um jeito de pescar o passado do lixo,
esfregá-lo,
repintar as partes feias e reciclar tudo por mais do que vale.

Mas, no filtro solar, acredite.




Wear Sunscreen (em português Use filtro solar) é o nome comum de uma obra chamada "Advice, like youth, probably just wasted on the young" escrita por Mary Schmich e publicada no Chicago Tribune como uma coluna em 1997.
A forma mais conhecida da obra é uma música gravada em 1999, "Everybody's Free (To Wear Sunscreen)", produzida pelo cineasta australiano Baz Luhrmann. Narrado pelo dublador australiano Lee Perry, e usando um sample de "Everybody's Free", da cantora africana Rozalla (com o refrão cantado por Quindon Tarver) - canção que Luhrmann usou em seu filme Romeo + Juliet - a canção foi sucesso internacional, chegando ao primeiro lugar no Reino Unido e Irlanda. No mesmo ano a agência de publicidade DDB produziu um vídeo com o single. Uma versão em português narrada por Pedro Bial, "Filtro Solar", foi lançada em 2003, com um vídeo produzido pela DM9DDB.
Em 16 de abril de 2012, Mary Schmich ganhou o Prêmio Pulitzer.


Assista ao video também clicando no link abaixo.




http://www.youtube.com/watch?v=fCLxC12QldI

quinta-feira, 19 de julho de 2012

O apanhador de desperdícios, Manoel de Barros



Uso a palavra para compor meus silêncios. 
Não gosto das palavras 
fatigadas de informar. 
Dou mais respeito 
às que vivem de barriga no chão 
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.

Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Manoel de Barros - Memórias Inventadas - a infância


Manoel Wenceslau Leite de Barros (Cuiabá, 19 de dezembro de 1916) é um poeta brasileiro do século XX, pertencente, cronologicamente à Geração de 45, mas formalmente ao Modernismo brasileiro, se situando mais próximo das vanguardas européias do início do século e da Poesia Pau-Brasil e da Antropofagia de Oswald de Andrade. Recebeu vários prêmios literários, entre eles, dois Prêmios Jabutis. É o mais aclamado poeta brasileiro da contemporaneidade nos meios literários. Enquanto ainda escrevia, Carlos Drummond de Andrade recusou o epíteto de maior poeta vivo do Brasil em favor de Manoel de Barros. Sua obra mais conhecida é o "Livro sobre Nada" de 1996.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Nada a fazer, nenhum lugar para ir, Thich Nhat Hanh







Thich Nhat Hanh(também conhecido como Thay), um monge budista vietnamita, é quem responde a essas perguntas:

Pergunta: Eu me sinto culpado quando não estou ocupado. Está tudo bem em não fazer nada?

Thay: Na nossa sociedade, estamos inclinados a ver o “fazer nada” como algo negativo, mesmo maligno. Mas quando nos perdemos de nós mesmos em atividades, diminuímos a qualidade do nosso ser. Fazemos a nós mesmos um desserviço. É importante nos preservar para manter o nosso frescor, bom humor, nossa alegria e compaixão. No budismo cultivamos a “falta de objetivos” e de fato na tradição budista a pessoa ideal, ou arhat ou um bodisatva, é uma pessoa sem negócios (businessless), alguém que não tem lugar para ir nem nada a fazer.

As pessoas deveriam aprender como apenas estar presente, não fazendo nada. Tente passar um dia fazendo nada; chamamos isto um “dia da preguiça”. Para muitos de nós que estamos acostumados a correr disto para aquilo, um dia da preguiça é na verdade um trabalho muito difícil! Não é fácil apenas estar. Se você pode estar feliz, relaxado e sorrindo quando não está fazendo nada, você é muito forte. Não fazer nada resulta em qualidade de ser, o que é muito importante. Portanto não fazer nada, na verdade é fazer algo. Por favor, escreva e exiba em sua casa: Não fazer nada é fazer algo.




Pergunta: Meu desejo por conquistas levou a muito sofrimento. Não importa o que eu faça, nunca sinto que é suficiente. Como posso fazer as pazes comigo mesmo?

Thay: A qualidade da sua ação depende da qualidade de seu ser. Suponha que você está desejoso por oferecer felicidade, fazer alguém feliz. Esta é uma coisa boa a fazer. Mas se você não está feliz, então não pode fazer isso. Para fazer outra pessoa feliz, você tem que estar feliz. Portanto há uma ligação entre fazer e ser. Se você não for bem sucedido em ser, não pode ser bem sucedido no fazer. Se você não sente que está no caminho certo, a felicidade não será possível. Isto é verdade para todos; se você não sabe onde está indo, você sofre. É muito importante perceber seu caminho e ver seu verdadeiro modo de ser.

Felicidade significa sentir que você está no verdadeiro caminho a cada momento. Não precisa chegar ao fim do caminho para ser feliz. O caminho correto se refere a modos muito concretos de você viver sua vida a cada momento. No budismo, falamos do Nobre Caminho Óctuplo: Visão Correta, Pensamento Correto, Fala Correta, Ação Correta, Modo de Vida Correto, Esforço Correto, Atenção Plena Correta e Concentração Correta. É possível para nós viver o Nobre Caminho Óctuplo a cada momento de nossas vidas diárias. Isto não apenas nos faz feliz, mas também àqueles ao nosso redor. Se você praticar o caminho, se tornará muito agradável, com muito frescor e muito compassivo.

Olhe para a árvore no quintal da frente. A árvore parece não estar fazendo nada. Fica parada ali, vigorosa, fresca e bonita e todos se beneficiam disto. Isto é um milagre do ser. Se uma árvore fosse menos que uma árvore, todos nós estaríamos com problemas. Mas se uma árvore é apenas uma árvore real, então há esperança e alegria. É por isso que se você puder ser você mesmo, isto já é uma ação. Ação é baseada na não-ação; ação é ser.

Há pessoas que fazem muito, mas que causam muitos problemas. Quanto mais tentam ajudar, mais problemas criam mesmo se têm as melhores intenções. Elas não são pacíficas, elas não são felizes. É melhor não tentar tão duramente, mas apenas “ser”. Então a paz e a compaixão serão possíveis em cada momento. Com base nisso, tudo que você disser ou fizer somente poderão ser úteis.

Se você pode fazer alguém sofrer menos, se você pode fazê-los felizes, se sentirá recompensado e receberá muita felicidade. Sentir que você é útil, que pode ajudar à sociedade: isto é felicidade. Quando você tem um caminho e você desfruta de cada passo no seu caminho, já é alguém, não precisa se tornar outra pessoa.

No budismo, temos a prática de apranihita, não ter objetivos. Se você põe em sua frente um objetivo, estará correndo por toda a sua vida e a felicidade nunca será possível. Felicidade é possível apenas quando você para de correr e desfruta do momento presente e de quem você é. Não é necessário ser outra pessoa; você já é uma maravilha da vida.

Pergunta: Quando estou fazendo uma coisa, minha mente vagueia para a próxima coisa ou volta para a última coisa. O que posso fazer para parar de sempre pensar sobre o caminho não tomado?

Quando você recebe muitas cartas, tem que decidir qual ler primeiro. Talvez haja duas cartas que você queira ler que perecem igualmente importantes. Mesmo assim, você tem que tomar uma decisão; tem que escolher uma para pegar primeiro. Depois de tomar a decisão fique com ela.

Quando você está cruzando uma ponte, não pense na ponte que você não está cruzando. Você no futuro terá que cruzá-la, mas somente depois de cruzar esta primeiro. Esta é nossa prática. O advogado pensa apenas no cliente que ele está no momento, não o cliente que está vindo em seguida. O médico apenas pensa no paciente a sua frente. Isto é concentração, plena atenção, uma mente que aponta para um só lugar. Se você não treinou sua capacidade de trazer toda a sua atenção para apenas um objeto, então haverá dispersão e perturbação. Você tem que estar cem por cento no aqui e agora.

Pergunta: Como posso incorporar a prática da plena atenção e viver no momento presente e ao mesmo tempo fazer planos para minha vida?

Thay: A prática da plena atenção não nos proíbe de planejar nosso futuro. É melhor não nos perdermos na incerteza e medo sobre o futuro, mas se estamos verdadeiramente estabelecidos no momento presente, podemos trazer o futuro para o aqui e agora e fazer planos.

Não estamos perdendo o momento presente quando pensamos sobre o futuro. Na verdade, o momento presente contém ambos o passado e o futuro. O único material de que o futuro é feito é do presente. Se você sabe como lidar com o presente da melhor maneira que pode, isto é tudo que pode fazer pelo futuro. Lidar com o momento presente com toda a sua atenção, toda sua inteligência já é construir o futuro.

Pergunta: Como podemos praticar consistentemente a plena consciência em um mundo que parece exigir corrida e pressa aonde quer que vamos? É possível ser plenamente consciente de estar ocupado e plenamente consciente de estar com pressa?

Thay: Iniciantes acham a plena atenção fácil quando eles a fazem lentamente. Mas se sua plena consciência é mais avançada, você pode fazer as coisas mais rapidamente. Apenas tenha certeza que você está sendo consciente. Você pode andar conscientemente, mas também pode correr conscientemente. É uma questão de planejamento. Deveria se tornar um hábito planejar de tal modo que tenhamos muito tempo para fazer cada coisa e não tenhamos que correr.

Suponha que você tenha que estar no aeroporto às 10 horas. Tente planejar de forma que você tenha muito tempo. Se possível adicione outra hora de forma a ter o prazer de fazer meditação caminhando no aeroporto. Quando dirigir, ao invés de pensar sobre seu destino, aproveite cada momento enquanto dirige. Quando fizer seu café da manhã, transforme a sua preparação em uma sessão de meditação, uma prática de plena consciência. Tente não pensar sobre o que você vai fazer depois do café da manhã. Aproveite cada momento e você trará alegria para toda a família. O segredo é habitar no aqui e agora e ser feliz a cada momento.

É claro, todos temos muito a fazer. Mesmo monges e monjas têm muitas coisas a fazer. Mas aprendemos a fazê-las com alegria e a não considerar as coisas que fazemos como trabalho. Esta é uma arte para ser cultivada e cada um de nós pode fazer isto. Se soubermos como consumir menos, não teremos que trabalhar tão duramente, não precisaremos de um salário maior e um carro mais caro para sermos felizes. Se soubermos a arte de viver de forma simples, então teremos muito mais tempo para viver nossas vidas de forma feliz e ajudar outras pessoas.

Thich Nhat Hanh, do livro “Answers from the heart”)

Traduzido por Leonardo Dobbin

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Lembre-se de que você é a fonte, Osho



“Alguém insultou você — a raiva irrompe de repente e você fervilha de raiva. A raiva está fluindo na direção da pessoa que o insultou. Agora você projetará toda essa raiva sobre o outro.
Ele não fez nada.
Se insultou você, o que ele fez de fato? Só lhe deu uma alfinetada, ajudou a sua raiva a aflorar — mas a raiva é sua.
O outro não é a fonte; a fonte está sempre dentro de você. O outro está atingindo a fonte, mas, se não houvesse raiva dentro de você, ela não poderia aflorar. Se você bater num buda, só provocará compaixão, porque só existe compaixão dentro dele. A raiva não vai aflorar porque não existe raiva.
Se você jogar um balde num poço vazio, ele voltará vazio. Se jogar um balde num poço cheio de água, ele sairá de lá cheio de água, mas a água será do poço. O balde só a ajudou a vir para fora.
Portanto, a pessoa que o insultou só está jogando um balde em você, e ele sairá de lá cheio de raiva, do ódio ou do fogo que existe em você. Você é a fonte, lembre-se.
Para praticar esta técnica, lembre-se de que você é a fonte de tudo o que projeta sobre os outros. E sempre que sentir uma disposição a favor ou contra, no mesmo instante volte-se para si e busque a fonte de onde o ódio está partindo.
Fique centrado ali; não dê atenção ao objeto. Alguém lhe deu a chance de tomar consciência da sua própria raiva; agradeça-o imediatamente e esqueça-o. Feche os olhos, volte-se para dentro e agora olhe a fonte de onde esse amor ou essa raiva está vindo.
De onde ela vem? Vá para dentro de si mesmo, volte-se para dentro. Você descobrirá ali a fonte, pois a raiva está vindo dali.
O ódio, o amor, ou seja o que for, tudo vem da sua fonte. E é fácil encontrar a fonte quando você está com raiva, ou sentindo amor, ou cheio de ódio, porque nesse momento você está quente. É fácil voltar-se para dentro nessa hora.
A fiação está quente e você pode senti-la dentro de você e se guiar pelo calor. E, quando atingir um ponto frio interior, descobrirá de repente uma outra dimensão, um mundo diferente abrindo-se para você. Use a raiva, use o ódio, use o amor para mergulhar em si mesmo.
Um dos maiores mestres zen, Lin Chi, costumava dizer:
"Quando eu era jovem, adorava andar de barco. Eu tinha um barquinho e remava sozinho num lago. Eu ficava ali durante horas. Uma vez, eu estava no meu barco, de olhos fechados, meditando, numa noite esplêndida. Então um outro barco veio flutuando, trazido pela corrente, e bateu no meu. Meus olhos estavam fechados, então eu pensei. 'Alguém bateu o barco no meu'. Enchi-me de raiva.
Abri os olhos e estava a ponto de vociferar algo para o homem, quando percebi que o barco estava vazio! Então não havia onde descarregar a minha raiva. Em quem eu iria extravasá-la?
O barco estava vazio, à deriva no lago e tinha colidido com o meu. Então não havia nada a fazer. Não havia possibilidade de projetar a raiva num barco vazio."
Então Lin Chi continuou: "Eu fechei os olhos. A raiva estava ali. Mas não sabia como extravasar. Eu fechei os olhos simplesmente e flutuei de volta com a raiva. E esse barco vazio tornou-se a minha descoberta. Eu atingi um ponto dentro de mim naquela noite silenciosa. Esse barco vazio foi meu mestre. E, se agora alguém vem me insultar, eu rio e digo: 'Esse barco também está vazio'. Fecho os olhos e mergulho dentro de mim".

OSHO, em "Saúde Emocional: Transforme o Medo, a Raiva e o Ciúme em Energia Criativa"



http://www.palavrasdeosho.com/2011/04/lembre-se-de-que-voce-e-fonte.html

domingo, 15 de julho de 2012

O Auto-conhecimento, Khalil Gibran



Então, um homem se dirigiu a ele:
Fala-nos do conhecimento de si.

E ele respondeu:
Os vossos corações conhecem, no silêncio, os segredos dos dias e das noites.
Mas os vossos ouvidos têm sede de ouvir, no final, o eco do saber dos vossos corações.
Gostaríeis de saber pelo verbo o que sempre soubestes pelo pensamento.
Gostaríeis de sentir com os dedos o corpo nu dos vossos sonhos.
E está certo que assim o queirais.
A fonte oculta da vossa alma deve necessariamente jorrar e correr, murmurando, até o mar;
e o tesouro das vossas profundezas infinitas deve revelar-se aos vossos olhos.
Mas que não haja balança que pese o vosso tesouro desconhecido;
e não procureis explorar os abismos do vosso sabercom a vara ou com a sonda, pois o eu é um mar sem limites e sem medida.


Não digais:
«Encontrei a verdade», mas antes: «Encontrei uma verdade.»

Não digais: «Encontrei o caminho da alma.» Mas antes: «Cruzei-me com a alma no meu percurso.»


Pois a alma caminha por todas as vias.
A alma não anda sobre uma linha nem se alonga como uma vara.
A alma abre-se a si mesma, como se abre um lótus de incontáveis pétalas.




Khalil Gibran

Fonte: livro "O Profeta"

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