quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Além da Terra, além do Céu, Carlos Drummond de Andrade





Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempre amar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.

Carlos Drummond de Andrade


Fonte: Poesia Completa, Carlos Drummond de Andrade - Editora Nova Aguilar - 2002

Leia Mais
http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Drummond_de_Andrade

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Esperança, Emily Dickinson




"Esperança" é a coisa com penas
Que se empoleira na alma
E canta um som sem palavras
E nunca, mas nunca, pára,

E mais doce é ouvido no vendaval;
E dura precisa ser a tempestade
Que poderia desanimar o passarinho
Que mantém aquecidos a tantos.

Já o ouvi nas terras mais geladas
E nos mares mais estranhos,
Entretanto nunca, mesmo no desespero,
Ele pediu uma migalha a mim.



Emily Dickinson


Tradução de Luiz Felipe Coelho


Fonte: The Poems of Emily Dickinson Edited by R. W. Franklin (Harvard University Press, 1999)

Emily Elizabeth Dickinson (Amherst, 10 de dezembro de 1830 - 15 de maio de 1886) foi uma poetisa americana, considerada moderna em vários aspectos da sua obra. É a poetisa da solidão e do pranto da alma. 

O poema Esperança, como um pássaro que se empoleira na alma humana. Pulsa caladamente e infatigavelmente, transmitindo confiança e aconchego, sobretudo, nos maus momentos.
E, é quando a tempestade se desencadeia mais violenta e feroz, que a esperança, essa coisa com penas, esse sentimento que não se esgota e vive sempre conosco, é ainda mais doce e mais vivaz, sem nunca pedir nada em troca.

Original Poem


"Hope is the Thing With Feathers"

Hope is the thing with feathers
That perches in the soul,
And sings the tune--without the words,
And never stops at all,
And sweetest in the Gale is heard;
And sore must be the Storm
That could abash the little Bird
That kept so many warm.
I've heard it in the chillest land,
And on the strangest Sea;
Yet, never, in Extremity,
It asked a crumb of me.



Emily Dickinson, "'Hope' is the Thing with Feathers" from The Complete Poems of Emily Dickinson, edited by Thomas H. Johnson.  Copyright 1945, 1951, 8 1955, 1979, 1983 by the President and Fellows of Harvard College.  Reprinted with the permission of The Belknap Press of Harvard University Press.
Source: The Poems of Emily Dickinson Edited by R. W. Franklin (Harvard University Press, 1999)

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Sobre a coragem de mudar, Rubem Alves



Em tempos passados o normal era que um jovem escolhesse uma carreira e permanecesse nela até morrer, ainda que ela não lhe desse felicidade, tal como acontecia também com os casamentos. Para sempre, até que a morte os separe. Uma coisa boa dos tempos em que vivemos, a despeito de todas as suas confusões, é que as pessoas descobriram que é possível mudar a direção do vôo. Nada as obriga a voar sempre na mesma direção até o fim. Eu mudei minhas direções várias vezes e não me arrependo. Meu amigo Jether era um próspero dentista na cidade do Rio de Janeiro. Estava ficando rico. Riqueza dá segurança. Segurança dá tranqüilidade à família. Mas enquanto ele olhava para o mundo delimitado pelos dentes dos seus clientes, a sua alma voava por outros mundos! E foi assim que, num belo dia, ele resolveu voar. Chegou em casa e comunicou à esposa Lucília: “Meu bem, vou vender o consultório”. E assim, com mais de quarenta anos, voltou para a estaca zero e foi se preparar para o vestibular… E ele seguiu um caminho feliz! Está com 82 anos, tem cara de 60, disposição de 40 e leveza de criança! Cada profissão delimita um mundo: há o mundo dos advogados, dos dentistas, dos engenheiros, dos professores, dos médicos, dos músicos, dos artistas, dos palhaços, do teatro. O jovem estudante do filme Sociedade dos poetas mortos sonhava em ser artista de teatro. Mas seu pai havia mirado seu arco para a medicina… Dezoito ou dezenove anos é muito cedo para definir o que se vai fazer pelo resto da vida. Esse é um tempo de procuras, indefinições, sonhos confusos. É normal que, ao meio do curso universitário, o jovem descubra que tomou o trem errado e se disponha a saltar na próxima estação. É angústia para os pais. Claro, porque o que eles mais desejam é ver o filho formado, empregado, ganhando dinheiro. Isso lhes daria liberdade para viver e permissão para morrer… Mas não seria terrível para ele – ou ela – se, só para não “perder tempo”, “só para não voltar ao início”, continuasse até o fim? Se não quero ir para as montanhas, se quero ir para a praia, por que continuar a dirigir o carro pela estrada que vai para as montanhas? Pais, não fiquem angustiados. Sua angústia é inútil. E nem fiquem com a ilusão de que o diploma dará emprego ao filho. Não dará. Assim é melhor ir devagar seguindo a direção que o coração manda. O difícil, para os pais, será se o filho, no último ano de direito, lhes comunique: “Descobri que não gosto de Direito. Vou estudar para ser palhaço!” Aí posso imaginar o embaraço do pai e da mãe quando, em meio a uma reunião social, quando se fala sobre os filhos, alguém lhes dirija a palavra e diga: “Meu filho está no Itamarati. Vai ser diplomata. E o seu?” Resposta: “O nosso está no circo. Vai ser palhaço…” Cá entre nós: não sei qual profissão dá mais felicidade, se a de diplomata ou se a de palhaço…
Rubem Alves

domingo, 28 de outubro de 2012

Mestre da vida, texto budista



O Mestre na arte da vida faz pouca distinção entre o seu trabalho e o seu lazer, entre a sua mente e o seu corpo, entre a sua educação e a sua recreação, entre o seu amor e a sua religião. Ele dificilmente sabe distinguir um corpo do outro. Ele simplesmente persegue sua visão de excelência em tudo que faz, deixando para os outros a decisão de saber se está trabalhando ou se divertindo. Ele acha que está sempre fazendo as duas coisas simultaneamente.


Texto budista

sábado, 27 de outubro de 2012

Se, Rudyard Kipling‏




Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.


Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.


Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires,
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.


Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.


Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.


De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!


Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.


Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho! (1910)


Rudyard Kipling‏

Joseph Rudyard Kipling (30 de dezembro de 1865 - 18 de Janeiro de 1936 em Bombaim - Índia) foi um escritor de contos Inglês, poeta e romancista lembrado principalmente por seus contos e poemas de soldados britânicos na Índia , e seus contos para crianças. Ele recebeu Prêmio Nobel de Literatura em 1907. Ele nasceu em Bombaim , na Presidência de Bombaim da Índia Britânica , e foi levado por sua família para a Inglaterra quando ele tinha cinco anos de idade. Kipling é mais conhecido por suas obras de ficção. Ele é considerado como um "inovador na arte do conto" maior; seus livros infantis são clássicos duradouros da literatura infantil.
Kipling foi um dos escritores mais populares na Inglaterra, em prosa e verso, no final dos anos 19 e início do século 20. Henry James disse: "Kipling me impressiona pessoalmente como o homem mais completo do gênio (distinta da multa inteligência) que eu já conheci." Em 1907, foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura , tornando-o o escritor Inglês de língua primeiro a receber o prêmio, e até agora ele continua sendo o mais novo ganhador. Entre outros honras, ele foi sondado para o British Laureateship Poeta e em várias ocasiões para um cavaleiro, todos os quais ele se recusou. 

Saiba mais:

http://translate.google.com.br/translate?hl=pt-BR&sl=en&u=http://en.wikipedia.org/wiki/Rudyard_Kipling&prev=/search%3Fq%3DRudyard%2BKipling%25E2%2580%258F%26hl%3Dpt-BR%26rlz%3D1C1AVSX_en___BR421%26biw%3D1024%26bih%3D467%26prmd%3Dimvnsbo&sa=X&ei=Qaw3ULf4MoT-8ATVwIGIAg&ved=0CC4Q7gEwAQ

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Os dois lados, Swami Dayananda



Um rei perdeu seu reino. Um mendigo perdeu seu pote de pedir esmolas. Alguém que estava passando deu ao mendigo um novo pote e ele ficou super feliz. Aí, a pessoa pensa em dar um segundo pote para o rei. Quando o rei vê o presente, fica indignado. O que é a felicidade de uns, é a tristeza de outros.
Swami Dayananda

Maharishi Dayanand Saraswati (12 de fevereiro de 1824 - 31 de outubro de 1883) foi um importante estudioso religioso hindu, reformador e fundador da Arya Samaj, "Sociedade dos Nobres", um movimento reformista hindu fundado em 1875. Foi o primeiro homem que usou a expressão Swarajya - "Índia para os indianos" em 1876, que mais tarde foi promovida por Lokmanya Tilak. Denunciando a idolatria e a adoração ritualística prevalentes no hinduísmo naquela época, ele trabalhou para reavivar as ideologias védicas. O filósofo e posteriormente Presidente da Índia, S. Radhakrishnan, chamou-o mais tarde de um dos "formadores da Índia Moderna".

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Todo caminho da gente é resvaloso, João Guimarães Rosa


Emiliano Di Cavalcanti




Todo caminho da gente é resvaloso.
Mas também, cair não prejudica demais
A gente levanta, a gente sobe,
a gente volta!...
O correr da vida embrulha tudo, a vida
é assim: Esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa,
Sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem.
Ser capaz de ficar alegre e mais alegre no
meio da alegria,
E ainda mais alegre no meio da tristeza... 

João Guimarães Rosa
in Grande Sertão Veredas


João Guimarães Rosa (Cordisburgo - MG, 27 de junho de 1908 — Minas Gerais, 19 de novembro de 1967), foi um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos. Foi também médico e diplomata.


Leia Mais
http://pt.wikipedia.org/wiki/Guimar%C3%A3es_Rosa


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Da Espera, Alcides Werk


Fotografia: Pantanal - Antonio A. B. Boaretto




"Direi aos pássaros que esperem,
enquanto perdurar a ronda dos morcegos.

Mas, quando se avizinhar a madrugada,
exigirei
que todas as canções tecidas no silêncio
deixem o verde tímido dos bosques
e povoem de som as avenidas
para que os homens se alegrem
e conheçam que o mundo é bom."

Alcides Werk 


Alcides Werk Gomes de Matos nasceu em Aquidauana, Mato Grosso, no dia 20 de dezembro de 1934. É poeta de identidade amazônica, forjada no convívio com o modo de vida interiorano, resultado de suas aventuras pelos altos rios, pelos paranás, pelos lagos distantes, abeberando-se da cultura aborígine. Sua estréia aconteceu em 1974, com a publicação do livro de poemasDa noite do rio. Outras obras poéticas: Trilha dágua(Manaus, 1985), Poemas da água e da terra, edição bilíngüe (Manaus, 1987), In natura: poemas para a juventude (Manaus, 1999), Cantos ribeirinhos e outros poemas (Manaus, 2002) e A Amazônia de Alcides Werk(Manaus, 2004). O poeta faleceu em Manaus, no dia 13 de novembro de 2003.
Foi um dos mais legítimos representantes, no Amazonas, da poesia a serviço da ecologia. Humanista, seus poemas em linguagem singela e agradável, em estilo simples e vibrante, acessível a tantos quantos entendem e o aplaudem, pela sua posição de defensor intransigente da Amazônia – da flora e da fauna -, contra a exploração abrupta de nossas riquezas naturais, com grandes prejuízos ao meio ambiente, que cantou e defendeu com o brilhantismo de sua verve poética, para denunciar os crimes ecológicos e ambientais que se praticam diariamente em nossa terra. É autor de muitos e variados poemas, enfeixados em livros, alguns esgotados, e ainda outros em “Posters”, que são publicados anualmente por ocasião da Semana Nacional do Meio Ambiente.

Leia mais




terça-feira, 23 de outubro de 2012

Segue o teu destino, Fernando Pessoa




    Segue o teu destino,
    Rega as tuas plantas,
    Ama as tuas rosas.
    O resto é a sombra
    De árvores alheias.


    A realidade
    Sempre é mais ou menos
    Do que nós queremos.
    Só nós somos sempre
    Iguais a nós-próprios.


    Suave é viver só.
    Grande e nobre é sempre
    Viver simplesmente.
    Deixa a dor nas aras
    Como ex-voto aos deuses.


    Vê de longe a vida.
    Nunca a interrogues.
    Ela nada pode
    Dizer-te. A resposta
    Está além dos deuses.


    Mas serenamente
    Imita o Olimpo
    No teu coração.
    Os deuses são deuses
    Porque não se pensam.


    Ricardo Reis, 1-7-1916 

    Fonte: Ricardo Reis, in "Odes" 
    Heterônimo de Fernando Pessoa



    Ricardo Reis (19 de setembro de 1887) é um dos quatro heterônimos mais conhecidos de Fernando Pessoa, tendo sido imaginado de relance pelo poeta em 1913 quando lhe veio à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Nasceu no Porto, estudou num colégio de jesuítas, formou-se em medicina e, por ser monárquico, expatriou-se espontaneamente desde 1919, indo viver no Brasil. Era latinista por formação clássica e semi-helenista por autodidatismo. Na sua biografia não consta a sua morte, no entanto José Saramago faz uma intervenção sobre o assunto em seu livro O Ano da Morte de Ricardo Reis, situando a morte de Reis em 1936.

    Leia Mais



    Veja o vídeo com a interpretação de Maria Bethania
    http://www.youtube.com/watch?v=k7EQO3sA6Ls

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Despropósitos, Manoel de Barros



No aeroporto o menino perguntou: 
-E se o avião tropicar num passarinho? 
O pai ficou torto e não respondeu.
 
O menino perguntou de novo:

-E se o avião tropicar num passarinho triste?
A mãe teve ternuras e pensou: 
Será que os absurdos não são as maiores virtudes da poesia?
 
Será que os despropósitos não são mais carregados de poesia do que o bom senso?

Ao sair do sufoco o pai refletiu:
 
Com certeza, a liberdade e a poesia a gente
 aprende com as crianças. 
E ficou sendo.
 



Manoel de Barros


Manoel Wenceslau Leite de Barros (Cuiabá, 19 de dezembro de 1916) é um poeta brasileiro do século XX, pertencente, cronologicamente à Geração de 45, mas formalmente ao Modernismo brasileiro, se situando mais próximo das vanguardas européias do início do século e da Poesia Pau-Brasil e da Antropofagia de Oswald de Andrade. Recebeu vários prêmios literários, entre eles, dois Prêmios Jabutis. É o mais aclamado poeta brasileiro da contemporaneidade nos meios literários. Enquanto ainda escrevia, Carlos Drummond de Andrade recusou o epíteto de maior poeta vivo do Brasil em favor de Manoel de Barros. Sua obra mais conhecida é o "Livro sobre Nada" de 1996.

Fonte: Livro: Exercícios de ser criança, Manoel de Barros, Ed. Salamandra

sábado, 20 de outubro de 2012

Eu saúdo a ti criança, Marly Cavalcanti

ilustração de Marly Cavalcanti



Eu saúdo a ti criança!
Aquela que mora em mim, aquela que mora ali.
Eu saúdo ao teu presente e cheiro o seu perfume.
Eu saúdo a tua boneca que me diz sim,
ao teu barquinho que insiste em nadar e
a tua aeronave que te trouxe aqui.
Nasceu do amor das estrelas,
brincou de esconde-esconde com a lua
e prometeu ao Sol a sua busca
à liberdade entre a beleza dos frutos.

Eu te lembro criança nesse agora
que tu tens voz.
Não se esqueça que ela se faz em prosa,
não se esqueça ao jogar os dados que tens nome.
E se no meio do percurso
seus olhos não virem as montanhas
e nem os rios encontraste pureza nas águas
e nem os animais serem os mesmos,
não se esqueça que pode voltar às estrelas
e no seu azul profundo
você com certeza pode aqui estar e subir a montanha
pode nela gritar com teu coração
a que veio.
Porque veio, lembra que teu sino vai tocar
e o Universo vai te ouvir
e aí nesse momento lembrarás que tu és livre!



Marly Cavalcanti


Poetisa, artista plástica, desenha, pinta, faz esculturas, trabalha com objetos. Realiza algumas exposições em galerias de arte.
É técnica em Design Gráfico.
Foi coordenadora de oficinas de arte e letras em um projeto sócio-cultural.
Faz ilustrações, e trabalha com design têxtil na criação de estamparia em camisetas, com pintura e bordado manual. 




sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Igual - Desigual, Carlos Drummond de Andrade

Operários, 1933 - Tarsila do Amaral



Eu desconfiava:
todas as histórias em quadrinho são iguais.
Todos os filmes norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os best-sellers são iguais.
Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são iguais.
Todos os partidos políticos são iguais.
Todas as mulheres que andam na moda são iguais.
Todas as experiências de sexo são iguais.
Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondós são iguais e todos, todos os poemas em versos livres são enfadonhamente iguais.

Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais iguais iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa.
Não é igual a nada.
Todo ser humano é um estranho
ímpar.


Carlos Drummond de Andrade, in "A paixão medida", 1980.

Carlos Drummond de Andrade, (Itabira, MG, 31 de outubro de 1902 -  Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1987). É Considerado um dos principais poetas da Literatura Brasileira devido à repercussão e alcance de suas obras. Nasceu em Minas Gerais, em  uma cidade cuja memória viria permear parte de sua obra. Posteriormente, foi estudar em Belo Horizonte e Nova Friburgo. Formado em Farmácia, com Emílio de Moura e outros companheiros fundou "A Revista" para divulgar o Modernismo no Brasil. Durante a maior parte de sua vida foi funcionário público, embora tenha começado a escrever cedo e prosseguindo até seu falecimento, que se deu em 1987 no Rio de Janeiro, doze dias após a morte de sua única filha, a escritora Maria Julieta Drummond de Andrade. Além de poesia, produziu livros infantis, contos e crônicas.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O sermão da flor, Conto Zen



O Buddha estava perto de um lago no Monte Grdhakuta e tinha se preparado para dar um sermão aos seus discípulos que estavam se juntando alí para ouví-lo falar.
Enquanto esperava seus estudantes se acomodarem, notou um lótus dourado florescendo na água lamacenta ali perto. Ele puxou a planta da água - flor, longo caule e raiz. Então a segurou bem alto para que todos os 

estudantes a vissem. Por um longo tempo ele ficou lá, sem dizer nada, apenas segurando o lótus e olhando nas faces perplexas da sua audiência.
De repende seu discípulo, Mahakashyapa, sorriu. Ele entendeu!
O que Mahakashyapa entendeu? Todos querem saber. Por séculos todos têem perguntado, "Qual é a mensagem que o Buddha passou para Mahakashyapa?"
Algumas pessoas dizem que a raiz, o caule e a flor representam os Três Mundos: submundo, terra e céu, e que o Buddha estava dizendo que tinha toda a existência na palma de sua mão.


Conto Zen

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Aparências, Antonie de Saint-Exupéry





[...] Tenho sérias razões para supor que o planeta de onde vinha o príncipe era o asteroide B 612. Esse asteroide só foi visto uma vez ao telescópio, em 1909, por um astrônomo turco.

Ele fizera na época uma grande demonstração da sua descoberta num Congresso Internacional de Astronomia. Mas ninguém lhe dera crédito, por causa das roupas que usava. As pessoas grandes são assim.
Felizmente para a reputação do asteróide B 612, um ditador turco obrigou o povo, sob pena de morte, a vestir-se à moda européia. O astrônomo repetiu sua demonstração em 1920, numa elegante casaca. Então, dessa vez, todo o mundo se convenceu.


Antonie de Saint-Exupéry


Antoine-Jean-Baptiste-Marie-Roger Foscolombe de Saint-Exupéry filho do conde e condessa de Foscolombe (29 de junho de 1900, Lyon - França - 31 de julho de 1944, Mar Mediterrâneo) foi escritor, ilustrador e piloto da Segunda Guerra Mundial.

Fonte: O Pequeno Príncipe -  cap. IV - Editora Agir


terça-feira, 16 de outubro de 2012

Paciência, Prof. Hermógenes





"Se te contentas com os frutos ainda verdes, 
toma-os, leva-os, quantos quiseres.
Se o que desejas, no entanto, são os mais saborosos,
maduros, bonitos e suculentos,
deverás ter paciência.
Senta-te sem ansiedades.
Acalma-te, ama, perdoa, renuncia, medita e guarda silêncio.
Aguarda.
Os frutos vão amadurecer."

Professor Hermógenes

José Hermógenes de Andrade Filho(Natal, Brasil, 9 de março de 1921), mais conhecido como Prof. Hermógenes, é um escritor, professor e divulgador brasileiro de hatha ioga. É doutorado em Yogaterapia pelo World Development Parliament da Índia e é Doutor Honoris Causa pela Open University for Complementary Medicine. O professor Hermógenes recebeu a Medalha de Integração Nacional de Ciências da Saúde e o Diploma d'Onore no IX Congresso Internacional de Parapsicologia, Psicotrónica e Psiquiatria (Milão, 1977). Escolhido o Cidadão da Paz do Rio de Janeiro, em 1988, o Professor Hermógenes recebeu a Medalha Tiradentes em 8 de maio de 2000. A premiação foi conferida pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, pelo bem-estar e benefícios à saúde que as obras de José Hermógenes de Andrade Filho levaram para os brasileiros. É fundador da Academia Hermógenes de Yoga.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

As lições de R. Q., Manoel de Barros

Os noivos nos céus de Paris” (1970), de Marc Chagall



Aprendi com Rômulo Quiroga (um pintor boliviano):
A expressão reta não sonha.
Não use o traço acostumado.
A força de um artista vem das suas derrotas. Só a alma atormentada pode trazer para a voz um
formato de pássaro.
Arte não tem pensa:
O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo.
Isto seja:
Deus deu a forma. Os artistas desformam.
É preciso desformar o mundo:
Tirar da natureza as naturalidades.
Fazer cavalo verde, por exemplo.

Fazer noiva camponesa voar - como em Chagall.
Agora é só puxar o alarme do silêncio que eu saio por aí a deformar [...]

Manoel de Barros

Manoel Wenceslau Leite de Barros, (Cuiabá, 19 de dezembro de 1916) é um poeta brasileiro do século XX, pertencente, cronologicamente à Geração de 45, mas formalmente ao Modernismo brasileiro, se situando mais próximo das vanguardas européias do início do século e da Poesia Pau-Brasil e da Antropofagia de Oswald de Andrade. Recebeu vários prêmios literários, entre eles, dois Prêmios Jabutis. É o mais aclamado poeta brasileiro da contemporaneidade nos meios literários. Enquanto ainda escrevia, Carlos Drummond de Andrade recusou o epíteto de maior poeta vivo do Brasil em favor de Manoel de Barros. Sua obra mais conhecida é o "Livro sobre Nada" de 1996.

Fonte: Livro sobre nada, Manoel de Barros, 1996 - Editora Record. pág. 75



Curiosidade:  uma história ocorrida com Marc Chagall, célebre pintor franco russo. Chagall estava em seu ateliê, quando chega uma senhora para comprar um quadro. E vê um cavalo pintado de azul. Reclama: "Um cavalo azul"? E Chagall responde: "Isso não é um cavalo, minha senhora". "Não? E que animal é"? O pintor encerra: "Animal nenhum. Isto é um quadro."

domingo, 14 de outubro de 2012

O arroz e a rosa, conto zen



Conta uma lenda que, na antiga China, um homem teve a sorte de encontrar duas moedas com as quais poderia satisfazer suas necessidades básicas.
Para surpresa do amigo que o acompanhava, com uma das moedas o homem comprou um punhado de arroz e, com a outra, uma rosa. O amigo perguntou: "Para quê a Rosa, se estás com tanta fome?" Mirando-o com os olhos brilhantes de esperança, o místico 

homem respondeu: 

"Comprei o arroz para ter do que viver; e a rosa, para ter porque viver."

Mostra-nos esse sábio que a vida torna-se mais prazerosa quando o bem-estar do corpo e o bem-estar da mente estão indissoluvelmente ligados.
A qualidade do dia e da nossa vida melhora quando o altruísmo que existe em nós, do ser bom, humilde e generoso, aproveita os momentos em que pode aspirar o perfume das flores.
Vale a pena valorizar a vida e aproveitar os momentos, pois ela é breve.
Nem só de arroz vive o homem.


Conto Zen



sábado, 13 de outubro de 2012

Os pássaros nascem na ponta das árvores, Ruy Belo

Birds in Tree by Lynne Alexander



Os pássaros nascem na ponta das árvores*

As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam
Os pássaros fazem cantar as árvores
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se
deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como pássaros poisam as folhas na terra
quando o outono desce veladamente sobre os campos
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
mas deixo essa forma de dizer ao romancista
é complicada e não se dá bem na poesia
não foi ainda isolada da filosofia
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração


* nome original do poema "Algumas proposições com pássaros e árvores"

Ruy Belo


Ruy de Moura Belo (São João da Ribeira, Rio Maior, Portugal, 27 de Fevereiro de 1933 - Queluz, 8 de agosto de 1978) foi um poeta e ensaísta português.

Leia mais


http://nescritas.com/homenagemruybelo/biografia.html

Fonte: livro: Homem de Palavra(s), 1969 - Editorial Presença, edição 1997.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

“… o melhor de tudo são as crianças…”, Rubem Alves




Convidaram-me a participar de um congresso sobre educação, na Itália. Fui. Esperava que fosse igual aos muitos congressos de que já participei: conferencistas famosos, pedagogos, filósofos, professores, educadores, políticos, todos explicando teorias sobre a educação. Assim é porque aqueles que comparecem a congressos são sempre adultos. Mas uma surpresa me aguardava: o congresso estava cheio de crianças. Se são as crianças que vão ser objetos da educação é absurdo pensar sobre o que se vai fazer com elas sem que elas sejam ouvidas. Lá estavam elas, misturadas com os adultos. Fiquei com inveja delas e saudades do meu tempo de criança. Fiquei fascinado pela oficina para se fazer brinquedos, com serras, martelos, morsas, alicates, papéis, barbante, cola, carretéis, elásticos, madeira, etc. Aí vi que as crianças de qualquer parte do mundo podem se entender porque os brinquedos, como a música, são uma linguagem universal que não necessita de palavras. Os jogadores de xadrez jogam xadrez mesmo se falam línguas diferentes. Crianças de países diferentes podem, juntas, armar quebra-cabeças, jogar pião, empinar pipas, pular corda...
Eu não falo italiano. Estava lá, andando invejoso entre os meninos. Aí um jovem, vendo meu sorriso de inveja, sem dizer uma palavra, veio empurrando um carrinho de rolemã e simplesmente me fez um gesto. Assentei-me no carrinho e lá fui eu, empurrado pelo jovem, correndo como se fosse piloto de fórmula 1, rindo de felicidade. E percebi que andar num carrinho de rolemã me dá mais prazer que guiar automóvel. Quando guio um automóvel sou adulto. Quando ando de carrinho de rolemã sou criança. Só tive uma reclamação a fazer: é que os carrinhos de rolemã são feitos para crianças – o que revela um miserável preconceito. Por que não carrinhos de rolemã tamanho adulto? Por acaso os adultos não têm direitos? Por acaso eles estão proibidos de entrar no mundo das crianças? E não se fala tanto em "inclusão"? Eu quero ser incluído no mundo das crianças. Exijo os meus direitos. Pena que lá não houvesse balanços, um dos meus brinquedos favoritos. Balanços, pra existir, precisam de árvores grandes com galhos fortes ou armações de madeira. E lá não havia nem uma coisa nem outra. É impossível balançar sem se sentir leve e com vontade de rir. Balanço é terapia contra depressão. Lembrei-me do que disse Nietzsche: o Diabo nos faz graves, solenes, pesados; faz-nos afundar. Deus, ao contrário, dá leveza e nos faz flutuar. Concluo, então, que o balanço é um brinquedo divino, por aquilo que ele faz com a gente. Balançar num balanço é um forma de rezar, de estar em comunhão com Deus.
Os brinquedos dão prazer. Os brinquedos fazem pensar. Quer ver? Você sabe que, sem ter ninguém que o empurre, você pode fazer o balanço balançar alto, até fazer o pé tocar na folha do galho, pela simples alternância da posição das pernas, prá frente e prá trás. Eu lhe pergunto então: por que é que essa alternância na posição das pernas, sem encostar em nada, produz o movimento do balanço? E o ioiô? Participei de um congresso sobre brinquedos, na Bahia. Havia uma infinidade de brinquedos em exposição. De alguns, apenas as fotografias. Como, por exemplo, pipas do tamanho de uma casa, pesando quinhentos quilos. E a fotografia de um mosaico grego, de antes de Cristo. Pois nesse mosaico aparecia um grego jogando ioiô! Nunca imaginei que os ioiôs fossem tão antigos! Pergunto: o que é que faz com que o ioiô vá para baixo e para cima? E que dizer dos quebra-cabeças? Quantas funções intelectuais altamente abstratas entram em jogo enquanto se monta um quebra-cabeças! E as bolhas de sabão! Me explique, por favor: por que é que elas são tão redondinhas? Quem joga sinuca aprende, intuitivamente, as leis da composição de forças. E os piões: por que é que se equilibram sobre um prego?
Lá no congresso na Itália parei diante de um quebra-cabeças, dois pregos entrelaçados que, se se pensar bem, podem ser separados. Fiquei longos minutos lutando com os ditos pregos. E pensei: Que coisa mais estranha! Não vou ganhar nada se conseguir separar os dois pregos. O que é que faz que eu esteja aqui, perdendo o tempo e quebrando a cabeça? A resposta é simples: pelo desafio. Todo brinquedo bom é UM desafio. E isso nada tem a ver com esses brinquedos eletrônicos comprados, em que não se usa a inteligência mas apenas o dedo para apertar um botão. Brinquedo bom tem de ser desafio. Brinquedo bom tem de fazer pensar.
É possível que você tenha comprado brinquedos para os seus filhos. Mas sugiro que aquilo que seu filho ou filha mais deseja é ter você como companheiro de brinquedo. Não me esqueço da imagem triste de um pai, numa manhã de domingo, empurrando o filho no balanço com a mão esquerda enquanto lia o jornal que segurava com a mão direita. Para aquele pai, brincar com o filho era um sacrifício. Para ele o importante eram as notícias do jornal. A infância passa rapidamente. Logo logo a única coisa que restará será o jornal na mão direita e o vazio na mão esquerda.
No congresso distribuíram um página com os "Dez Direitos Naturais das Crianças" que quero compartilhar com vocês." 

1. Direito ao ócio: Toda criança tem o direito de viver momentos de tempo não programado pelos adultos. 

2. Direito a sujar-se: Toda criança tem o direito de brincar com a terra, a areia, a água, a lama, as pedras.

3. Direito aos sentidos: Toda criança tem o direito de sentir os gostos e os perfumes oferecidos pela natureza. 

4. Direito ao diálogo: Toda criança tem o direito de falar sem ser interrompida, de ser levada a sério nas suas idéias, de ter explicações para suas dúvidas e de escutar uma fala mansa, sem gritos. 

5. Direito ao uso das mãos: Toda criança tem o direito de pregar pregos, de cortar e raspar madeira, de lixar, colar, modelar o barro, amarrar barbantes e cordas, de acender o fogo. 

6. Direito a um bom início: Toda criança tem o direito de comer alimentos sãos desde o nascimento, de beber água limpa e respirar ar puro. 

7. Direito à rua: Toda criança tem o direito de brincar na rua e na praça e de andar livremente pelos caminhos, sem medo de ser atropelada por motoristas que pensam que as vias lhes pertencem. 

8. Direito à natureza selvagem: Toda criança tem o direito de construir uma cabana nos bosques, de ter um arbusto onde se esconder e árvores nas quais subir. 

9. Direito ao silêncio: Toda criança tem o direito de escutar o rumor do vento, o canto dos pássaros, o murmúrio das águas. 

10. Direito à poesia: Toda criança tem o direito de ver o sol nascer e se pôr e de ver as estrelas e a lua.

E aí eu pedi às crianças licença para acrescentar o décimo primeiro direito: "Todo adulto tem o direito de ser criança..."

Desejo que você, nesse "Dia das Crianças", redescubra a delícia que é ser criança. Porque, como disse Fernando Pessoa, "Grande é a poesia, a bondade e as danças... Mas o melhor do mundo são as crianças." 

Rubem Alves

Rubem Alves é educador, escritor, psicanalista e professor emérito da Unicamp.

Leia Mais
http://www.rubemalves.com.br/

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O Menino Que Carregava Água Na Peneira, Manoel de Barros

The gardener, by Beatriz Trixis


Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.
Com o tempo aquele menino 
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu
que era capaz de ser 
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro 
botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos.
Manoel de Barros 
Manoel Wenceslau Leite de Barros (Cuiabá, 19 de dezembro de 1916) é um poeta brasileiro do século XX, pertencente, cronologicamente à Geração de 45, mas formalmente ao Modernismo brasileiro, se situando mais próximo das vanguardas européias do início do século e da Poesia Pau-Brasil e da Antropofagia de Oswald de Andrade. Recebeu vários prêmios literários, entre eles, dois Prêmios Jabutis. É o mais aclamado poeta brasileiro da contemporaneidade nos meios literários. Enquanto ainda escrevia, Carlos Drummond de Andrade recusou o epíteto de maior poeta vivo do Brasil em favor de Manoel de Barros. Sua obra mais conhecida é o "Livro sobre Nada" de 1996.
Fonte: Livro: Exercícios de ser criança, Manoel de Barros - Editora Salamandra

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Quando a gente lhes fala de um novo amigo, Antoine de Saint-Exupéry




[...]As pessoas grandes adoram os números. Quando a gente lhes fala de um novo amigo, elas jamais se informam do essencial. Não perguntam nunca: "Qual é o som da sua voz? Quais os brinquedos que prefere? Será que coleciona borboletas?" Mas perguntam: "Qual é sua idade? Quantos irmãos ele tem? Quanto pesa? Quanto ganha seu pai?" Somente então é que elas julgam conhecê-lo. Se dizemos às pessoas grandes: "Vi uma bela casa de tijolos cor-de-rosa, gerânios na janela, pombas no telhado..." elas não conseguem, de modo nenhum, fazer uma idéia da casa. É preciso dizer-lhes: "Vi uma casa de seiscentos contos". Então elas exclamam: "Que beleza!"



Antoine de Saint-Exupéry


Antoine-Jean-Baptiste-Marie-Roger Foscolombe de Saint-Exupéry filho do conde e condessa de Foscolombe (29 de junho de 1900, Lyon - França - 31 de julho de 1944, Mar Mediterrâneo) foi escritor, ilustrador e piloto da Segunda Guerra Mundial.

Fonte: O Pequeno Príncipe -  cap. IV - Editora Agir




terça-feira, 9 de outubro de 2012

Porquinho-da-Índia, Manuel Bandeira




Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...

- O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.


Manuel Bandeira

Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho, (Recife, 19 de abril de 1886 — Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1968) foi um poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro.
Morou no Rio de Janeiro e São Paulo. Iniciou o curso de Arquitetura e o abandonou por causa da tuberculose. Não chegou a participar da Semana de 22. Entrou para Academia Brasileira de Letras em 1940. Poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro. Considera-se que Bandeira faça parte da geração de 22 da literatura moderna brasileira, sendo seu poema Os Sapos o abre-alas da Semana de Arte Moderna de 1922. Juntamente com escritores como João Cabral de Melo Neto, Paulo Freire, Gilberto Freyre, Nelson Rodrigues, Carlos Pena Filho e José Condé, representa a produção literária do Estado de Pernambuco.

Printfriendly