terça-feira, 30 de abril de 2013

Pensar é transgredir, Lya Luft

O pensador, Auguste Rodin


Não me lembro em que momento percebi que viver deveria ser uma permanente reinvenção de nós mesmos — para não morrermos soterrados na poeira da banalidade embora pareça que ainda estamos vivos.

Mas compreendi, num lampejo: então é isso, então é assim. Apesar dos medos, convém não ser demasiado fútil, nem demasiado acomodada. Algumas vezes é preciso pegar o touro pelos cornos, mergulhar para depois ver o que acontece: porque a vida não tem de ser sorvida como uma taça que se esvazia, mas como o jarro que se renova a cada gole bebido.

Para se reinventar é preciso pensar: isso aprendi muito cedo.

Apalpar, no nevoeiro de quem somos, algo que pareça uma essência: isso, mais ou menos, sou eu. Isso é o que eu queria ser, acredito ser, quero tornar-me ou já fui. Muita inquietação por baixo das águas do quotidiano. Mais cômodo seria ficar com o travesseiro sobre a cabeça e adotar o lema reconfortante: «Parar p’ra pensar, nem pensar!»

O problema é que, quando menos se espera, ele chega, o sorrateiro pensamento que nos faz parar. Pode ser no meio do centro comercial, no trânsito, em frente da televisão ou do computador. Simplesmente ao escovar os dentes. Ou na hora da droga, do sexo sem afeto, do desafeto, do rancor, da lamúria, da hesitação e da resignação.

Sem termos programado, paramos para pensar.

Pode ser um susto: como espreitar de um berçário confortável para um corredor com mil possibilidades. Cada porta, uma escolha. Muitas vão abrir-se para um nada ou para algum absurdo. Outras, para um jardim de promessas. Alguma, para a noite além da cerca. Hora de tirar os disfarces, aposentar as máscaras e reavaliar: reavaliar-se.

Pensar pede audácia, pois refletir é transgredir a ordem do superficial que nos pressiona tanto.

Somos demasiado frívolos: buscamos o atordoamento das mil distrações, correndo de um lado para o outro, achando que somos grandes cumpridores de tarefas. Quando o primeiro dever seria de vez em quando parar e analisar: quem somos, o que fazemos com a nossa vida, o tempo, os amores. E com as obrigações também, é claro, pois não temos sempre cinco anos de idade, quando a prioridade absoluta é dormir abraçado ao urso de pelúcia e prosseguir, no sono, o sonho que afinal nessa idade ainda é a vida.

Mas pensar não é apenas a ameaça de enfrentar a alma no espelho: é sair para as varandas de si mesmo e olhar em torno, e, quem sabe, finalmente respirar.

Compreender: somos inquilinos de algo bem maior do que o nosso pequeno segredo individual. É o poderoso ciclo da existência. Nele todos os desastres e toda a beleza têm significado como fases de um processo.

Se nos escondermos num canto escuro, abafando os nossos questionamentos, não escutaremos o rumor do vento nas árvores do mundo. Nem compreenderemos que o prato das inevitáveis perdas pode pesar menos do que o dos possíveis ganhos.

Os ganhos ou os danos dependem da perspectiva e das possibilidades de quem vai tecendo a sua história. O mundo em si não tem sentido sem o nosso olhar que lhe atribui identidade, sem o nosso pensamento que lhe confere alguma ordem.

Viver, como talvez morrer, é recriar-se: a vida não está aí apenas para ser suportada nem vivida, mas elaborada. Eventualmente reprogramada. Conscientemente executada. Muitas vezes, ousada.

Parece fácil: «Escrever a respeito das coisas é fácil», já me disseram. Eu sei. Mas não é preciso realizar nada de espetacular, nem desejar nada de excepcional. Não é preciso nem mesmo ser brilhante, importante, admirado.

Para viver de verdade, pensando e repensando a existência, para que ela valha a pena, é preciso ser amado; e amar; e amar-se. Ter esperança; qualquer segurança.

Questionar o que nos é imposto, sem rebeldias insensatas mas sem demasiada sensatez. Saborear o bom, mas aqui e ali enfrentar o mau. Suportar sem se submeter, aceitar sem se humilhar, entregar-se sem renunciar a si mesmo e à possível dignidade.

Sonhar, porque, se desistimos disso, apaga-se a última claridade e nada mais valerá a pena. Escapar, na liberdade do pensamento, desse espírito de manada que trabalha obstinadamente para nos enquadrar, seja lá no que for.

E que o mínimo que façamos seja, a cada momento, o melhor que afinal se conseguiu fazer.

Lya Luft
In: Pensar é transgredir, Lisboa, Presença, 2005

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Quem tem um porquê, Viktor Frankl

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"Quem tem um 'porquê' enfrenta qualquer 'como'." 

Viktor Frankl (psiquiatra e psicólogo austríaco)

domingo, 28 de abril de 2013

Mundo Pequeno, Manoel de Barros



O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os
besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos.

Manoel de Barros


In: O Livro das Ignorãças,
Manoel de Barros.

sábado, 27 de abril de 2013

A parábola dos talentos, Rubem Alves

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Havia um homem muito rico, possuidor de vastas propriedades, que era apaixonado por jardins. Os jardins ocupavam o seu pensamento o tempo todo e ele repetia sem cessar: O mundo inteiro ainda deverá transformar-se num jardim. O mundo inteiro deverá ser belo, perfumado e pacífico. O mundo inteiro ainda se transformará num lugar de felicidade.

As suas terras eram uma sucessão sem fim de jardins, jardins japoneses, ingleses, italianos, jardins de ervas, franceses. Dava muito trabalho cuidar de todos os jardins. Mas valia a pena pela alegria. O verde das folhas, o colorido das flores, as variadas simetrias das plantas, os pássaros, as borboletas, os insetos, as fontes, as frutas, o perfume… Sozinho ele não daria conta Por isso anunciou que precisava de jardineiros. Muitos se apresentaram e foram empregados.

Aconteceu que ele precisou de fazer uma longa viagem. Iria a uma terra longínqua comprar mais terras para plantar mais jardins. Assim, chamou três dos jardineiros que contratara, e disse-lhes: Vou viajar. Ficarei muito tempo longe. E quero que vocês cuidem de três dos meus jardins. Os outros, já providenciei quem cuide deles. A você, Paulo, eu entrego o cuidado do jardim japonês. Cuide bem das cerejeiras, veja que as carpas estejam sempre bem alimentadas… A você, Hermógenes, entrego o cuidado do jardim inglês, com toda a sua exuberância de flores espalhadas pelas rochas… E a você, Boanerges, entrego o cuidado do jardim mineiro, com romãs, hortelãs e jasmins.

Ditas essas palavras, partiu. Paulo ficou muito feliz e pôs-se a cuidar do jardim japonês. Hermógenes ficou muito feliz e pôs-se a cuidar do jardim inglês. Mas Boanerges não era jardineiro. Mentira ao oferecer-se para o emprego. Quando ele viu o jardim mineiro disse: Cuidar de jardins não é comigo. É demasiado trabalho…

Trancou então o jardim com um cadeado e abandonou-o. Passados muitos dias voltou o Senhor, ansioso por ver os seus jardins. Paulo, feliz, mostrou-lhe o jardim japonês, que estava muito mais bonito do que quando o recebera. O Senhor dos Jardins ficou muito feliz e sorriu. Hermógenes mostrou-lhe o jardim inglês, exuberante de flores e cores. O Senhor dos Jardins ficou muito feliz e sorriu.

E foi a vez de Boanerges… E não havia forma de enganar: Ah! Senhor! Preciso de confessar: não sou jardineiro. Os jardins dão-me medo. Tenho medo das plantas, dos espinhos, das lagartas, das aranhas. As minhas mãos são delicadas. Não são próprias para mexer na terra, essa coisa suja…

Mas o que me assusta mesmo é o fato das plantas estarem sempre a transformar-se: crescem, florescem, perdem as folhas. Cuidar delas é uma trabalheira sem fim.

Se estivesse em meu poder, todas as plantas e flores seriam de plástico. E a terra estaria coberta com cimento, pedras e cerâmica, para evitar a sujeira. As pedras dão-me tranquilidade. Elas não se mexem. Ficam onde são colocadas. Como é fácil lavá-las com esguichos e vassoura! Assim, eu não cuidei do jardim. Mas tranquei-o com um cadeado, para que os traficantes e os vagabundos não o invadissem.

E com estas palavras entregou ao Senhor dos Jardins a chave do cadeado. O Senhor dos Jardins ficou muito triste e disse: Este jardim está perdido. Deverá ser todo refeito. Paulo, Hermógenes: vocês vão ficar encarregados de cuidar deste jardim. Quem já tinha jardins ficará com mais jardins.

E, quanto a você, Boanerges, respeito o seu desejo. Não gosta de jardins. Vai ficar sem jardins. Gosta de pedras. Pois, de hoje em diante, irá partir pedras na minha pedreira…

Rubem Alves
In: Gaiolas ou Asas – A arte do voo ou a busca da alegria de aprender,
Porto, Edições Asa, 2004

sexta-feira, 26 de abril de 2013

As cores de Abril, Toquinho e Vinícius de Moraes

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As cores de abril
Os ares de anil
O mundo se abriu em flor
E pássaros mil
Nas flores de abril
Voando e fazendo amor

O canto gentil
De quem bem te viu
Num pranto desolador
Não chora, me ouviu
Que as cores de abril
Não querem saber de dor

Olha quanta beleza
Tudo é pura visão
E a natureza transforma a vida em canção

Sou eu, o poeta, quem diz
Vai e canta, meu irmão
Ser feliz é viver morto de paixão
Toquinho e Viníciu de Moraes 
Veja também ao video no Youtube:

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Elegância, Henri Toulosse Lautrec


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"Existe uma coisa difícil de ser ensinada e que, talvez por isso, esteja
cada vez mais rara: a elegância do comportamento. É um dom que vai muito
além do uso correto dos talheres e que abrange bem mais do que dizer um
simples obrigado diante de uma gentileza.
É a elegância que nos acompanha da primeira hora da manhã até a hora de
dormir e se manifesta nas situações mais prosaicas, quando não há festa
alguma nem fotógrafos por perto. É uma elegância desobrigada.
É possível detectá-la nas pessoas que elogiam mais do que criticam. Nas
pessoas que escutam mais do que falam. E quando falam, passam longe da
fofoca, das pequenas maldades ampliadas no boca a boca.
É possível detectá-la nas pessoas que não usam um tom superior de voz ao se
dirigir a frentistas, por exemplo. Nas pessoas que evitam assuntos
constrangedores porque não sentem prazer em humilhar os outros.
É possível detectá-la em pessoas pontuais.
Elegante é quem demonstra interesse por assuntos que desconhece, é quem
presenteia fora das datas festivas, é quem cumpre o que promete e, ao
receber uma ligação, não recomenda à secretária que pergunte antes quem está
falando e só depois manda dizer se está ou não está.
Oferecer flores é sempre elegante. É elegante não ficar espaçoso demais. É
elegante você fazer algo por alguém, e este alguém jamais saber o que você
teve que se arrebentar para o fazer... Porém é elegante reconhecer o
esforço, a amizade e as qualidades dos outros.
É elegante não mudar seu estilo apenas para se adaptar ao outro. É muito
elegante não falar de dinheiro em bate-papos informais. É elegante retribuir
carinho e solidariedade. É elegante o silêncio, diante de uma rejeição...
Sobrenome, jóias e nariz empinado não substituem a elegância do gesto. Não
há livro que ensine alguém a ter uma visão generosa do mundo, a estar nele
de uma forma não arrogante. É elegante a gentileza. Atitudes gentis falam
mais que mil imagens...Abrir a porta para alguém é muito elegante... Dar o
lugar para alguém sentar... é muito elegante... Sorrir, sempre é muito
elegante e faz um bem
danado para a alma... Oferecer ajuda... é muito elegante...
Olhar nos olhos, ao conversar, é essencialmente elegante... Pode-se tentar
capturar esta delicadeza natural pela observação, mas tentar imitá-la é
improdutivo. A saída é desenvolver em si mesmo a arte de conviver, que
independe de status social: Se os amigos não merecem uma certa cordialidade,
os desafetos é que não irão desfrutá-la." 


Henri Toulosse Lautrec

quarta-feira, 24 de abril de 2013

terça-feira, 23 de abril de 2013

Frases de Coco Chanel




“Para ser insubstituível, deve-se sempre ser diferente.” 

“Elegância é tudo aquilo que é belo, seja no direito seja no avesso.” 

“A mulher pode ser crisálida e borboleta. Seja crisálida durante o dia e borboleta à noite.” 

“Eu já não sou o que era: devo ser o que me tornei.” 

Elegância é quando o interior é tão belo quanto o exterior.” 

“Vista-se mal e notarão o vestido. Vista-se bem e notarão a mulher.” 

“A natureza lhe dá o rosto que você tem aos 20. A vida lhe desenha o rosto dos 30. Mas, aos 50, é você quem decide o rosto que quer ter.” 

“Não importa o lugar de onde você vem. O que importa é quem você é! E quem você é? Você sabe?” 

“O dinheiro nunca significou muito para mim, mas a independência (conseguida com ele), muito.” 

“A força se consegue com fracassos e não com os sucessos.”


Coco Chanel (Gabrielle Bonheur Chanel, estilista francesa)


"Coco Chanel não estava apenas à frente de seu tempo. Ela estava à frente de si mesma. Se olharmos para o trabalho de estilistas contemporâneos, veremos que muitas de suas estratégias ecoam o que Chanel já fez. Há 75 anos ela fez uma mistura do vocabulário de roupas femininas e masculinas e criou uma moda que deu ao usuário um sentimento de luxo íntimo, em lugar da ostentação; estes são apenas dois exemplos de como seu gosto e senso de estilo ultrapassam a moda atual." Assim a jornalista Ingrid Sischy definiu o trabalho de Coco Chanel para a revista norte-americana "Time".

Assista também ao filme.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

O amor está sempre em você, Thich Nhat Hanh

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"Por favor, nunca acredite que o amor não está presente em você, porque isso não é verdade. O amor está sempre em você, como a luz do sol que, mesmo quando chove, brilha acima das nuvens."

Thich Nhat Hanh

domingo, 21 de abril de 2013

Para que haja uma árvore florida, Antoine de Saint-Exupéry

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“Para que haja uma árvore florida, é preciso haver antes uma árvore; e, para haver um homem feliz, é preciso haver em primeiro lugar um homem." 

Antoine de Saint-Exupéry

Orvalho, Khalil Gibran

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"Porque no orvalho das pequenas coisas é que o coração encontra a sua manhã e a sua frescura."        

Khalil Gibran

sábado, 20 de abril de 2013

Via Láctea, Olavo Bilac




Via Láctea (trecho XIII)
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…
E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora! “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”
Olavo Bilac 
In BILAC, Olavo. Poesias. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 23ª edição. 1964
Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1865 — Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 1918) foi um jornalista e poeta brasileiro, membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Criou a cadeira 15, cujo patrono é Gonçalves Dias.
A banda brasileira Kid Abelha (Composição : George Israel/ Paula Toller), se inspirou no poema “Via Láctea” (soneto XIII), de Olavo Bilac e compôs "Ouvir estrelas".
Ouvir estrelas
Direi ouvir estrelas
Certo perdestes o senso
E eu vos direi, no entanto
Que, para ouvi-las
Muita vez desperto
E abro as janelas,
Pálido de espanto
Enquanto conversamos
Cintila via láctea
Como um pálido aberto
E ao vir do sol,
Saudoso e em pranto
Inda as procuro pelo céu deserto
Que conversas com elas
O que te dizem
Quando estão contigo
Ah... Amai para entendê-las
Ah... Pois só que ama pode ouvir estrelas
(Kid Abelha)

Veja ao vídeo

sexta-feira, 19 de abril de 2013

A Águia e o Índio, Leonardo Boff


 imagem google

Encontrei certa vez um naturalista que muito sabia de águias. Contei-lhe a história de James Aggrey. Ele ficou entusiasmado com a elegância da narração.
Disse-lhe eu: ela bem se aplica à condição humana; mas, para tanto, será
necessário enriquecê-la com mais detalhes, para torná-la mais desafiadora e
fecunda. Aproveitei a presença do naturalista para colher o maior número possível de dados
sobre as águias.
Foi então que ele me falou por mais de duas horas sobre elas. Quantos tipos de águias existem. Onde vivem. Como são seus hábitos. Como se enamoram. Como criam os filhotes. E como terminam seus dias.
Falou-me da águia brasileira, Harpia harpyja, chamada pelos índios de uiraçue canoho, outrora senhora dos ares. Hoje, acuada pelo desmatamento selvagem, sobrevive nas florestas acima da linha do equador, na região amazônica. Ela é imponente, com um disco facial de penas e um soberbo cocar por sobre a cabeça, que se eriça ao menor ruído, conferindo-lhe majestade imperial. Este cocar é imitado pelos chefes indígenas, que desta forma querem simbolicamente reforçar sua autoridade.



Leonardo Boff

Trecho do livro: "A águia e a galinha", de Leonardo Boff página 11, capítulo A águia cativa e libertada.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

4o. Motivo da rosa, Cecília Meireles


Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.


Rosas verá, só de cinzas franzida,
mortas, intactas pelo teu jardim.


Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.


E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.


Cecília Meireles

in "Mar Absoluto": Poesia Completa, Cecília Meireles. Rio de janeiro: Editora Nova Fronteira, 1997. pág. 231


Cecília Benevides de Carvalho Meireles, (Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1901 — Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1964) foi uma poetisa, pintora, professora e jornalista brasileira. É considerada uma das vozes líricas mais importantes das literaturas de língua portuguesa.

Leia mais: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cec%C3%ADlia_Meireles

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Para pintar o retrato de um pássaro, Jacques Prévert

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Primeiro pintar uma gaiola
com a porta aberta
pintar depois
algo de lindo
algo de simples
algo de belo
algo de útil

para o pássaro

depois dependurar a tela numa árvore
num jardim
num bosque
esconder-se atrás da árvore
sem nada dizer
sem se mexer…


às vezes o pássaro chega logo
mas pode ser também que leve muitos anos
para se decidir
Não perder a esperança
esperar
esperar se preciso durante anos
a pressa ou a lentidão da chegada do pássaro
nada tendo a ver
com o sucesso do quadro


quando o pássaro chegar
se chegar
guardar o mais profundo silêncio
esperar que o pássaro entre na gaiola
e quando estiver lá dentro
fechar lentamente a porta com o pincel
depois
apagar uma a uma todas as grades
tendo o cuidado de não tocar numa única pena do pássaro
fazer depois o desenho da árvore
escolhendo o mais belo galho
para o pássaro


pintar também a folhagem verde e a frescura do vento
a poeira do sol
e o barulho dos insetos pelo capim no calor do verão
e depois esperar que o pássaro queira cantar


se não cantar
mau sinal
sinal de que o quadro é ruim
mas se cantar bom sinal
sinal de que pode assiná-lo
então você arranca delicadamente
uma das penas do pássaro
e escreve seu nome num canto do quadro.
de “Paroles” (1945)



Jacques Prévert (Neuilly-sur-Seine, 4 de fevereiro de 1900 — Omonville-la-Petite, 11 de abril de 1977) foi um poeta e roteirista francês.
Após o sucesso da sua primeira coletânea de poesias, Paroles (1946), Prévert tornou-se um grande poeta popular, graças à sua linguagem familiar, senso de humor, hinos à liberdade e jogo com as palavras. Como resultado de seu sucesso, seus poemas passaram a ser estudados em todas as escolas francesas do mundo, conquistando o reconhecimento internacional.
Poeta e roteirista, Jacques Prévert ironizou os usos e costumes, o clero, a igreja. Criou os roteiros e diálogos de grandes filmes franceses pertencentes à escola do realismo poético, realizados em sua maioria por Jean Renoir e Marcel Carné.
Como compositor, ele escreveu a música "Les Feuilles Mortes", que foi muito famosa em seu tempo, na voz de Ives Montand. Mais tarde, Serge Gainsbourg compôs uma música chamada "La chanson de Prevért" que faz referência à canção citada acima.

Prévert revolucionou o discurso tradicional, através do jogo de palavras. Sua poesia é constantemente construída com jogos de linguagem (calembur, neologismos, lapsus propositais, invenções…) com os quais o poeta consegue efeitos cômicos inesperados (um humor por vezes negro), duplos significados e imagens insólitas.
Seus poemas também são ricos em jogos sonoros, combinações que brincam com a audição (aliterações, rimas e ritmos variados) que podem parecer fáceis, mas que são habilmente utilizadas por Prévert.
Traços de surrealismo ajudam a compor o seu estilo: inventários, listas de objetos, metáforas e personificações.


Fonte: Poemas, Jacques Prévert
Seleção e tradução de Silviano Santiago
Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1985

Leia mais: http://www.algumapoesia.com.br/poesia/poesianet028.htm


édition originale

Pour faire le portrait d’un oiseau


Peindre d’abord une cage
avec une porte ouverte
peindre ensuite
quelque chose de joli
quelque chose de simple
quelque chose de beau
quelque chose d’utile
pour l’oiseau
placer ensuite la toile contre un arbre
dans un jardin
dans un bois
ou dans une forêt
se cacher derrière l’arbre
sans rien dire
sans bouger...
Parfois l’oiseau arrive vite
mais il peut aussi mettre de longues années
avant de se décider
Ne pas se décourager
attendre
attendre s’il le faut pendant des années
la vitesse ou la lenteur de l’arrivée de l’oiseau
n’ayant aucun rapport
avec la réussite du tableau
Quand l’oiseau arrive
s’il arrive
observer le plus profond silence
attendre que l’oiseau entre dans la cage
et quand il est entré
fermer doucement la porte avec le pinceau
puis
effacer un à un tous les barreaux
en ayant soin de ne toucher aucune des plumes de l’oiseau
Faire ensuite le portrait de l’arbre
en choisissant la plus belle de ses branches
pour l’oiseau
peindre aussi le vert feuillage et la fraîcheur du vent
la poussière du soleil
et le bruit des bêtes de l’herbe dans la chaleur de l’été
et puis attendre que l’oiseau se décide à chanter
Si l’oiseau ne chante pas
C’est mauvais signe
signe que le tableau est mauvais
mais s’il chante c’est bon signe
signe que vous pouvez signer
Alors vous arrachez tout doucement
une des plumes de l’oiseau
et vous écrivez votre nom dans un coin du tableau.

Jacques Prévert






terça-feira, 16 de abril de 2013

Arte de ensinar, Anatole France

Imagem Google


Toda a arte de ensinar é apenas a arte de acordar a curiosidade natural nas mentes jovens, com o propósito de serem satisfeitas mais tarde.” Anatole France

Jacques Anatole François Thibault, mais conhecido como Anatole France (Paris16 de abril de 1844 — Saint-Cyr-sur-Loire12 de outubro de 1924) foi um escritor francês.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Nada nunca vai embora..., Pema Chodron

Mandala de Andrea Haase



"Nada nunca vai embora até que nos ensina o que precisa saber." 

Pema Chodron

Pema Chödrön, também conhecida como Deirdre Blomfield-Brown, (Nova York, 1936) é uma monja budista na tradição Vajrayana tibetana da linhagem de Chögyam Trungpa.

Pema Chödrön escreveu diversos livros sobre Budismo e sua aplicação no dia a dia. Ela reside em Gampo Abbey, um monastério em Cape Breton, Nova Scotia, Canadá.

domingo, 14 de abril de 2013

A gente amadurece, filme As aventuras de Pi



“A gente amadurece na hora que conseguimos dominar nosso ego, desapegar das coisas que ele traz como o orgulho." 

Filme As aventuras de Pi

sábado, 13 de abril de 2013

Começar a ler, José Saramago

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"Começar a ler foi para mim como entrar num bosque pela primeira vez e encontrar-me, de repente, com todas as árvores, todas as flores, todos os pássaros. Quando fazes isso, o que te deslumbra é o conjunto. Não dizes: gosto desta árvore mais que das outras. Não, cada livro em que entrava, tomava-o como algo único."

José Saramago

sábado, 6 de abril de 2013

Jardim pequenino, Goethe

Vintage garden



Grande e belo é o mundo; mas oh!
Como ao céu agradeço.
Por ter um jardim pequenino,
bonito, meu próprio.
Levai-me de novo pra casa!
Pra que há de um jardineiro viajar?
Honra lhe vem a ventura, quando
trata do seu jardim.

Goethe, Epigramas de Veneza, 1790

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Eu sempre espero uma coisa nova, Clarice Lispector

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"Eu sempre espero uma coisa nova de mim, eu sou um frisson de espera - algo está sempre vindo de mim ou fora de mim." 


Clarice Lispector Um sopro de vida

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Eu não amo menos ao homem, mas a Natureza mais, Lord Byron

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"Há nas matas cerradas um prazer,
Há nas encostas solitárias um arrebatamento,
Há uma sociedade, onde ninguém pode intrometer,
Pelo mar profundo, e música em seu lamento:
Eu não amo menos ao homem, mas a Natureza mais,
Dessas nossas entrevistas, nas quais capturo,
De tudo que eu possa ter, ou tenha sido tempos atrás,
Para me misturar ao Universo, e sentir puro,
o que nunca posso expressar, ainda que não possa esconder."

Lord Byron (1788-1824) poeta britânico

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Pierrôs e Malabares, Sally Seton


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Este é um texto sobre felicidade, portanto, um texto sobre moda. Sejamos felizes! Se acaso sentir um vazio no peito, não importa, caminhe rumo ao sol e encontre sua luz interior, você brilhará e sua vida será repleta de alegrias, como a de todo mundo! Sim! Por que todo mundo é feliz, principalmente nas redes sociais. Você pode até ficar triste e se expor no Facebook, mas saiba que isto não está com nada... Se você sentir algo dentro de peito, talvez um aperto, solidão, fuja rapidinho, esconda-se, pois a vida é dos alegres e fortes! Dos vencedores! Dê um jeito, leia autoajuda, invente algo: cada um com seu “soma” (o remedinho fictício de Aldous Huxley serviria muito bem hoje em dia, seria o mais vendido nas farmácias).

O caso é que esta onda fashion de felicidade é irritante e bastante prejudicial. Muitas vezes está imbuída de falsa lógica, levando muitos, até mesmo, ao sentimento de culpa por não estarem felizes, alegres e radiantes. Essa atitude de obrigação diante de uma subjetividade que tenta ser explicada desde antes de Aristóteles, talvez, e que ainda não conseguimos conceber o que seja em poucos significantes, acaba se tornando apenas mais uma peça, um pino a mais na cansativa engrenagem, a que somos obrigados a manter girando em nosso dia-a-dia.

Nossa vida é assim, acordar cedo, ir para o trabalho, intervalo para alimentar-se, limpar-se, trabalho, comer, limpar-se, dormir, comer, trabalho... Assim giram as manivelas da existência humana. Nesse compasso quase ininterrupto (pois há os finais de semana), todo homem ou mulher que reflete, hora ou outra, irá parar e perguntar para si: qual a razão de tudo isso? – Quem já leu “O estrangeiro”, de Albert Camus, conhece este questionamento. Momento de pausa. A máquina estanque pode ser contemplada. Com isso, é possível perceber os que continuam fazendo-a funcionar, os que também vão parando por um breve instante de consciência e os que se negam a fazer questionamentos. Isso porque muitos se dizem felizes o tempo todo, por que assim indica o merchandising que os cerca.  É impossível não se sentir um estrangeiro no mundo nessa situação, é impossível não nos sentirmos sós.

Mas nossos momentos de reflexão são importantes. Eles nos permitem que sejamos verdadeiros malabaristas. Contamos com os outros, queremos que por um momento eles possam parar e dividir conosco as ansiedades, os medos, os vazios, as paixões, os amores, os fluxos de intensidades de nossas existências, todas únicas. Nessa troca, também para os outros, somos um outro, repleto de cosmos, de pulsação. É impossível estarmos felizes o tempo todo, sendo que apaziguarmos nosso coração para com o que sentimos é a melhor forma de caminharmos.  A dor pode ser, também, um privilégio. Através das adversidades e dos sofrimentos, tornamo-nos mais humildes e mais compreensivos, paramos para contemplar a vida e pensar sobre ela. Nos momentos de dificuldades, vemos o quanto precisamos uns dos outros. Isto é o que importa. Tentarmos estar juntos, com lágrimas nos olhos, ou não, é nossa grande batalha cotidiana, a mais importante.

Não há como saber o que é realmente a felicidade. Os momentos de alegria parecem não durar tanto quanto esperávamos, mas vale saber que podemos contar com uma beleza fundamental de nossa natureza humana: por baixo das máscaras de cada um de nós, somos todos pierrôs, eternos aprendizes das alegrias e tristezas.  Estamos repletos de peripécias malabares para burlar os mecanismos de produção de emoção em série, como querem alguns escritores de autoajuda, que se dizem portadores da felicidade total, como querem os propagandistas de uma felicidade artificializada e vazia...

Todo clown**  já derramou uma lágrima, que ao invés de sufocar o riso, concedeu-lhe razão eterna. Assim, podemos deixar de lado essa ânsia de nos escondermos ou “enfeitarmos” nossos momentos “não felizes”.  Caminhar rumo ao sol é importante, mas não é preciso negar a paixão que nos joga na tempestade...
Por Sally Seton

**palhaço

Fonte: http://hangingselves.blogspot.com.br/2013/03/nao-sei-de-onde-veio-mas-veio.html?spref=fb

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