segunda-feira, 6 de janeiro de 2014
Os três reis, Rubem Alves
A estrela iluminava uma gruta. Os reis se aproximaram. Na gruta havia vacas, cavalos, burros, ovelhas. Era uma estrebaria. Mas, convivendo com os animais, uma pequena família: um jovem e uma jovem que amamentava um nenezinho recém-nascido. Era só isso. Nada mais.
Eram três reis, cada um vindo de um reino diferente, um nada sabendo sobre os outros, numa viagem absurda com que jamais haviam sonhado, caminhando na direção de uma estrela que só eles viam. Era certo que eles estavam loucos...
Gaspar navegara do norte em seu navio, velas enfunadas por uma brisa fresca e constante e agora, pés na terra, caminhava... Balt-hazar viera do sul em seu cavalo, por caminhos que cortavam matas verdejantes. Mélek-hor viera do oeste, em seu camelo, atravessando desertos com areias escaldantes.
Viajaram por muito tempo. E depois de muito viajar chegaram a uma encruzilhada. Nela se cruzavam os quatro caminhos do mundo: o caminho do norte, o caminho do sul, o caminho do oeste e um quarto caminho... Olhando na direção do quarto caminho podia-se ver, no horizonte, uma estrela brilhante...
Havia ali, no meio da encruzilhada, uma estalagem chamada "Os Quatro Caminhos do Mundo" que os três reis viajantes se encontraram. Descobriram, então, que eram irmãos: "todos vinham da mesma nostalgia, todos caminhavam em busca da mesma alegria. Continuaram juntos a jornada até que... chegaram a um vilarejo: Beth-léhem - esse era o seu nome, gravado numa pedra. "Que estranho", disse Gaspar, "aprendi tudo o que há para ser aprendido sobre reinos, províncias, cidades e vilas. Mas nunca vi esse nome..."
Balt-hazar acendeu sua lâmpada de azeite e iluminou, com sua luz bruxuleante, o mapa que abrira sobre o chão. "Aqui está ela", disse marcando com o dedo um lugar no mapa: "Beth-léhem. Fica precisamente na divisa entre dois grandes reinos: À esquerda, está o Reino da Fantasia. À direita, está o Reino da Realidade. São reinos perigosos. Quem mora só no Reino da Fantasia, fica louco. Quem mora só no Reino da Realidade, fica louco. Para se fugir da loucura, há de se ficar transitando de um para o outro, o tempo todo. Somente os moradores de Beth-léhem estão livres de ficar o tempo todo indo de um reino para outro. Porque Beth-léhem fica bem na divisa...."
No vilarejo, todos dormiam. Era uma noite de paz. O ar estava perfumado com flores de jasmim e magnólia. E havia um brilho no ar - milhares, milhões de vaga-lumes estavam pousados sobre as árvores. No ar, o som de uma flauta de pastor... A estrela iluminava uma gruta. (...) Era uma estrebaria. Junto com os animais, uma pequena família: um jovem, e uma jovem que amamentava um nenezinho recém-nascido. Era só isso. Nada mais. Perceberam que haviam se enganado. Não era a estrela que iluminava a cena. Era o nenezinho que iluminava a estrela. E, olhando bem para ela, puderam ver, nela refletido como num espelho, o rosto da criancinha. E disseram: "O universo é um berço onde uma criança dorme!".
Aí, uma coisa estranha aconteceu: ao olharem para o nenezinho, os reis perderam a sua compostura real; eram dominados por uma vontade incontrolável de rir. E, quando riam, ficavam leves e começavam a flutuar. Era assim: quem visse o menino se transformava em anjo...
Os reis, em meio a risos e vôos, olharam cada um para o outro e disseram: "Nossa busca chegou ao fim. Encontramos a alegria. Para ter alegria, é preciso voltar a ser criança". Ato contínuo, tomaram suas coroas, capas de veludo, dinheiro, ouro, jóias - coisas de adulto - e as depuseram no chão, ao lado das vacas e dos burros... Eram pesadas demais. E partiram leves, ora andando, ora pulando, ora voando, mas sempre rindo.
"Vou mudar de vida", disse Gaspar, "É horrível ter de estar estudando ciência o tempo todo. Vou me transformar em poeta" [Os consultores da Corte onde era Rei o haviam aconselhado a adquirir todos os conhecimentos do mundo a fim de curar-se de sua tristeza e nostalgia].
"Eu também vou mudar de vida", disse Balt-hazar. "É horrível estar rezando o tempo todo. Vou ser palhaço. O riso é o início da oração". [Seus consultores lá no Reino onde reinava o haviam aconselhado a aprofundar-se no misticismo a fim de curar sua tristeza e nostalgia].
Ao que Mélek-hor acrescentou: "Eu descobri o prazer supremo que vem sempre acompanhado da alegria: brincar. Vou ser fabricante de brinquedos. Quem brinca volta a ser criança e quem volta a ser criança, está de volta ao paraíso". [Seus consultores o aconselharam a dedicar-se a farras, a fim de curar sua tristeza e nostalgia].
E assim, partiram, cada um por um caminho. E, se você, nas suas andanças, se encontrar com um poeta, com um palhaço, ou com um fabricante de brinquedos, pergunte se ele não tem notícias de uns três reis...
Rubem Alves
(*) Rubem Alves é educador, teólogo, psicoanalista e escritor. O texto completo desta história está em seu livro "Transparências da Eternidade" (Campinas, S.P. - 2002, Verus Editora, pp.117-126).
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