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[...]Por isso quero ensinar as crianças. Elas ainda têm olhos encantados. Seus olhos são dotados daquela qualidade que, para os gregos, era o início do pensamento: a capacidade de se assombrar diante do banal. Tudo é espantoso: um ovo, uma minhoca, um ninho de guacho, uma concha de caramujo, o vôo dos urubus, o zinir das cigarras, o coaxar dos sapos, os pulos dos gafanhotos, uma pipa no céu, um pião na terra. Dessas coisas, invisíveis aos eruditos olhos dos professores universitários (eles não podem ver, coitados. A especialização os tornou cegos como toupeiras. Só vêem dentro do espaço escuro de suas tocas. E como vêem bem!), nasce o espanto diante da vida; desse espanto, a curiosidade; da curiosidade, a fuçação (essa palavra não está no Aurélio!) chamada pesquisa; dessa fuçação, o conhecimento; e do conhecimento, a alegria!
As coisas mais importantes não são ensinadas por meio de aulas bem preparadas. Elas são ensinadas inconscientemente. Bom seria que os educadores lessem ruminativamente (também não se encontra no Aurélio) o Roland Barthes. Ele descreveu o seu ideal de aula como sendo a criação de um espaço - isso mesmo! um espaço! - parecido com aquele que existe quando uma criança brinca ao redor da mãe. Explico. A criança pega um botão, leva para a mãe. A mãe ri, e faz um corrupio. (Você sabe o que é um corrupio?). Pega um pedaço de barbante. Leva para a mãe. A mãe ri e lhe ensina a fazer nós. Ele conclui que o importante não é nem o botão e nem o barbante, mas esse espaço lúdico que se ensina sem que se fale sobre ele.
Trecho: Escola da Ponte - 5.
Rubem Alves
In: A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir (Papirus Editora, Campinas, SP, 2001 e Edições Asa, Porto, 2001).
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