Sonho é uma coisa que não existe no mundo de fora, mas existe no mundo de dentro. Existe no mundo de dentro provisoriamente, porque os sonhos são como crianças: querem nascer.
Acho
que os bichos sonham. Olho para um árvore. Não vejo nada de
extraordinário. Passado um mês, passo novamente pela mesma árvore. Lá
está um objeto fantástico, um ninho de guaxo. O ninho de guaxo tem forma
de jaca. É tecido em volta de um ramo pendente com pequenos galhos
entrelaçados. Pergunto-me: Como foi que o guaxo aprendeu a construir
aquela obra de arte? Quem lhe ensinou? Respondo: O guaxo construiu o ninho do lado de fora porque ele já existia virtualmente do lado de dentro. Aquele ninho era seu sonho.
O
guaxo sonhou seu ninho no tempo presente. Mas o presente de todo sonho
tem, dentro de si, um futuro. Esse futuro se chama esperança. O guaxo
trabalhava "na esperança". Ele não sabia disso com a cabeça. Mas seu
corpo sabia. Há muitas coisas que o corpo sabe e a cabeça não.
Reescrevo
o primeiro verso do Evangelho de João: "No princípio era o sonho".
Antes que Deus criasse o paraíso, ele (ou ela, não sei bem...) sonhou
com um paraíso.
Tudo
começa nos sonhos. Sonho uma viagem à Patagônia. Aí minha cabeça começa
a pensar: O que fazer para ir até a Patagônia? Sonho em construir uma
casa. Aí minha cabeça pensa: Que tenho de fazer para construir uma casa?
É o sonho que faz pensar. Sem sonho não há pensamento.
Pensamos
porque desejamos realizar o sonho. Informado pela inteligência sobre o
que fazer para realizar o sonho, o corpo trabalha. "Deus quer, o homem
sonha, a obra nasce". Assim disse Fernando Pessoa.
Para isto existem as escolas - Para fazer sonhar e fazer pensar.
Do sonho e do pensamento surge a obra. No caso do guaxo, o sonho a ser
tornado realidade era o ninho. No caso do Criador, o sonho a ser tornado
realidade era um jardim. O guaxo e o Criador procedem da mesma forma.
Imaginem
agora que o guaxo foi à escola para aprender arte. E que lá tivesse
aprendido a selecionar e a cortar os galhos, bem como a trançá-los,
tendo sempre tirado as maiores notas nas avaliações. Só que ninguém lhe
falou sobre o ninho. Ninguém lhe disse que aquelas artes serviam apenas
para realizar um sonho. Pobre guaxo. Nunca sonhou um ninho. Passou o
resto da vida cortando galhinhos e entrelaçando-os. Mas galhos
solitários não fazem ninhos.
Nas
várias disciplinas que se ensinam nas escolas, as crianças aprender a
cortar galhos de vários tipos e, eventualmente, a tecê-los segundo
padrões transversais. Mas eu gostaria de saber quando é que elas
aprender a sonhar. Na verdade, nem é preciso aprender. Toda criança está
cheia de sonhos. A realização dos sonhos requer uma coisa apenas:
coragem. Onde estão os sonhos nas grades curriculares?
Queria
sugerir a vocês, professores, que no seu mister de ensinar a arte dos
galhinhos, se perguntassem: "Qual é o sonho?" Os primeiros sonhos são os
individuais. Depois eles viram sonhos grandes. Como na música "A
banda", do Chico Buarque. No início, cada um sonhava seu sonho pequeno.
Mas, quando a banda passou, as pessoas se esqueceram de seus sonhos
pequenos e começaram a sonhar juntas um único sonho grande.
É
assim, pelo poder do grande sonho, que os gravetinhos esparramados
podem se jutar para construir um país. Afinal de contas, o país é o
nosso ninho de guaxo.
Rubem Alves
In: A Pedagogia dos Caracóis, Editora Verus.
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