sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Olhando o mar, sonho sem ter de quê, Fernando Pessoa



Olhando o mar, sonho sem ter de quê.
Nada no mar, salvo o ser mar, se vê.
Mas de se nada ver quanto a alma sonha!
De que me servem a verdade e a fé?

Ver claro! Quantos, que fatais erramos,
Em ruas ou em estradas ou sob ramos,
Temos esta certeza e sempre e em tudo
Sonhamos e sonhamos e sonhamos.

As árvores longínquas da floresta
Parecem, por longínquas, estar em festa.
Quanto acontece porque se não vê!
Mas do que há ou não há o mesmo resta.

Se tive amores? Já não sei se os tive.
Quem ontem fui já hoje em mim não vive.
Bebe, que tudo é líquido e embriaga,
E a vida morre enquanto o ser revive.

Colhes rosas? Que colhes, se hão-de ser
Motivos coloridos de morrer?
Mas colhe rosas. Porque não colhê-las
Se te agrada e tudo é deixar de o haver?

Fernando Pessoa
20-1-1933
in "Novas Poesias Inéditas". Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993). pág. 70.


Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935), mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta, filósofo e escritor português.
É considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa, e da Literatura Universal, muitas vezes comparado com Luís de Camões. O crítico literário Harold Bloom considerou a sua obra um "legado da língua portuguesa ao mundo".

Leia Mais
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Pessoa

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Sabor de flores, Beto Palaio

Sorvete de rosas com framboesa e pistache


Deveria haver
Sorvete de rosas
Sorvete de jasmim
Flores na embalagem
E na ponta da língua
A poesia em perfumes
Sorveteiros unidos
com os jardineiros
Todos pesquisando
Aromas de flores
anunciando
Venham provar
Os lírios do campo!

Beto Palaio


Beto Palaio, São Paulo - SP, é um brasileiro que com afinco mergulha na arte (eu acrescentaria - e na literatura) em toda sua dimensão "- Emprestei esta frase do Blog do Favre, para definir Beto Palaio. Seu blog, o Littera Tour e sua revista eletrônica - Around the World in 8 Seconds - são mesmo um deleite para nossos olhos e almas - e os seus haicais - encantados. Obrigada, Beto. Sei que seu habitat natural é a prosa mas são tão tênues estes contornos, que se você não era, agora é - poeta."


Fontes:


quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Lua adversa, Cecília Meireles



Tenho fases, como a lua, 
Fases de andar escondida, 
fases de vir para a rua... 
Perdição da minha vida! 
Perdição da vida minha! 
Tenho fases de ser tua, 
tenho outras de ser sozinha. 

Fases que vão e que vêm, 
no secreto calendário 
que um astrólogo arbitrário 
inventou para meu uso. 

E roda a melancolia 
seu interminável fuso! 

Não me encontro com ninguém 
(tenho fases, como a lua...). 
No dia de alguém ser meu 
não é dia de eu ser sua... 
E, quando chega esse dia, 
o outro desapareceu... 


Cecília Meireles 


in 'Vaga Música', Poesia Completa, Vol. I, Cecília Meireles, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. pág. 148

Cecília Benevides de Carvalho Meireles, (Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1901 — Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1964) foi uma poetisa, pintora, professora e jornalista brasileira. É considerada uma das vozes líricas mais importantes das literaturas de língua portuguesa.

Leia mais: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cec%C3%ADlia_Meireles

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Lições, Mia Couto




Não aprendi a colher a flor
sem esfacelar as pétalas.
Falta-me o dedo menino
de quem costura desfiladeiros.

Criança, eu sabia
suspender o tempo,
soterrar abismos
e nomear as estrelas.
Cresci,
perdi pontes,
esqueci sortilégios.

Careço da habilidade da onda,
hei-de aprender a carícia da brisa.

Trémula, a haste
me pede
o adiar da noite.

Em véspera da dádiva,
a faca me recorda, no gume do beijo,
a aresta do adeus.

Não, não aprenderei
nunca a decepar flores.

Quem sabe, um dia,
eu, em mim, colha um jardim?

Mia Couto

(Maputo, 2006)


in "Idades Cidades Divindades" (Lisboa: Caminho) 2007, pág. 27-28

António Emílio Leite Couto (Beira, 5 de Julho de 1955), é um biólogo e escritor moçambicano.

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Mia_Couto

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Fazer um céu, Mário Lago

Descansando na luz, Marcio Melo


Fazer um céu com pouco a gente faz.
Basta uma estrela,
Uma estrela e nada mais.
Pra ter nas mãos o mundo
Basta uma ilusão.
Um grão de areia
É o mundo em nossa mão.
Sonhar é dar à vida nova cor,
Dar gosto bom às lágrimas de dor.
O sol pode apagar, o mar perder a voz,
Mas nunca morre um sonho bom dentro de nós.



Mário Lago (Rio de Janeiro, 26 de novembro de 1911 — Rio de Janeiro, 30 de maio de 2002) foi advogado, poeta, radialista, letrista, ator brasileiro e ativista político preso em 1964, no Rio de Janeiro.
Autor de sambas populares como "Ai, que saudades da Amélia" e "Atire a primeira pedra", ambos em parceria com Ataulfo Alves, fez-se popular entre as décadas de 40 e 50.

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http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rio_Lago

domingo, 25 de novembro de 2012

Não entendo, Clarice Lispector



Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.
Clarice Lispector
in 'A descoberta do mundo', Ed. Nova Fronteira.

Clarice Lispector, nascida Haia Pinkhasovna Lispector (Tchetchelnik, 10 de dezembro de 1920 — Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1977) foi uma escritora e jornalista brasileira, nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira.
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sábado, 24 de novembro de 2012

O silêncio do mundo e o nosso barulho, Thomas Merton


“Os que amam o ruído que fazem são impacientes com o resto. Desafiam constantemente o silêncio das florestas, das montanhas e do mar. Passeiam com suas máquinas pela floresta silenciosa, em todas as direções, cheios de medo de que um mundo calmo os acuse de vazios. A pressa da sua velocidade, a pretexto de um fim, simula ignorar a tranquilidade da natureza. O avião ruidoso, por sua trajetória, por seu estrondo, por sua força aparente, por um momento parece negar a realidade das nuvens e do céu. Vai-se o avião, fica o silêncio do céu. Afasta-se ele, a tranquilidade das nuvens permanece. O silêncio do mundo é que é real. O nosso barulho, os nossos negócios, os nosso planos e todas as nossas fátuas explicações sobre o nosso barulho, negócios e planos, tudo isso é ilusão.”

Thomas Merton

in 'No Man is an Island', de Thomas Merton
(Harcourt Brace Jovanovich, Publishers, New York), 1955. p. 257
No Brasil: 'Homem algum é uma ilha', (Verus Editora, Campinas), 2003. p. 216

Thomas Merton (Prades, França, 31 de Janeiro de 1915 - Bangkok, Tailândia 10 de Dezembro de 1968) foi um escritor católico do século XX. Monge trapista da Abadia de Gethsemani, Kentucky, ele foi um poeta, ativista social e estudante de religiões comparadas. Ele escreveu mais de setenta livros, a maioria sobre espiritualidade, e também foi objeto de várias biografias.

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Fonte: http://reflexoes-merton.blogspot.com.br/2008/06/o-silncio-do-mundo-e-o-nosso-barulho.html

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Ilha de Moçambique, Mia Couto


Não é a pedra.
O que me fascina 
é o que a pedra diz.

A voz cristalizada, 
o segredo da rocha rumo ao pó.

E escutar a multidão 
de empedernidos seres 
que a meu pé se vão afeiçoando.

A pedra grávida 
a pedra solteira, 
a que canta, na solidão,
o destino de ser ilha.
O poeta quer escrever 
a voz na pedra.
Mas a vida de suas mãos migra 
e levanta voo na palavra.

Uns dizem na pedra nasceu uma figueira.

Eu digo: na figueira nasceu uma pedra.


Mia Couto


in 'Idades Cidades Divindades', Mia Couto, Maputo, Ndjira, 2008.

António Emílio Leite Couto (Beira, 5 de Julho de 1955), é um biólogo e escritor moçambicano.

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Mia_Couto

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Por quem os sinos dobram, John Donne



"Ninguém é uma ilha, 
ninguém é completo em si mesmo;
cada ser humano é um pedaço do continente, uma parte da terra. Se o mar leva uma porção da terra,
 toda Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como a casa teus amigos ou a tua própria casa;
a morte de qualquer ser humano me diminui, porque estou ligado a humanidade, portanto nunca perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti." 

John Donne
in  “Meditações XVII”. Este trecho de John Donn tornou-se célebre e inspirou o escritor norte-americano Ernest Hemingway em seu romance “Por quem os sinos dobram”, citação que mais tarde virou filme com Ingrid Bergman e Gary Cooper (1943), como também "Homem Algum é Uma Ilha", de Thomas Merton.

John Donne (Londres, Inglaterra, 1572 – Londres, Inglaterra, 31 de março de 1631) foi um poeta jacobino inglês, pastor, advogado e o maior representante dos poetas metafísicos da época. Sua obra é notável por seu estilo sensual e realista, incluindo-se sonetos, poesia amorosa, poemas religiosos, traduções do latim, epigramas, elegias, canções, sátiras e sermões. Sua poesia é célebre por sua linguagem vibrante e metáfora engenhosa, especialmente quando comparada à poesia de seus contemporâneos.


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Original Text

“No man is na island, entire of itself; every man is a piece of the continent, a part of the main. If a clod be washed away by the sea, Europe is the less, as well as if promontory were, as well as if a manor of thy friend’s or of thine own were. Any man’s death diminishes me, because I am involved in mankind; and therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee”.

John Donne
in  'Meditation XVII'.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Vivemos num tempo, Ortega y Gasset

José Ortega y Gasset


Vivemos num tempo de chantagem universal,
Que toma duas formas complementares de escárnio:
Há a chantagem da violência e a chantagem do entretenimento.
Uma e outra servem sempre para a mesma coisa:
Manter o homem simples longe do centro dos acontecimentos.
José Ortega y Gasset
in 'A rebelião das Massas', Editora Relógio D´água
José Ortega y Gasset (Madrid, 9 de maio de 1883 — Madrid, 18 de outubro de 1955) foi um filósofo espanhol. Também atuou como ativista político e como jornalista. Após desentender-se com a ditadura espanhola, em 1929 exila-se na Argentina. Durante seu exílio voluntário da Espanha de 1936 a 1945, em plena Guerra Civil Espanhola, Ortega y Gasset viveu, num longo e famoso silêncio com relação aos conturbados tempos políticos de seu país. Ortega y Gasset regressa à Espanha em 1948 e, em 1955, lhe é diagnosticado um câncer, e ele falece no dia 18 de outubro daquele ano.
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terça-feira, 20 de novembro de 2012

Criança Mágica - 1ª parte, Michael Jackson

Michael Jackson criança


Era uma vez um menino que era livre
No fundo ele sentia o riso
A gargalhada e a brincadeira da alegre natureza
Ele não se preocupava em pensar na vida futura
Beleza, amor era tudo o que ele veria

Ele sabia que o seu poder era o poder de Deus
Ele tinha tanta certeza, os outros consideravam-no estranho
Este poder de inocência, de compaixão, de luz
Ameaçava os sacerdotes e criava um medo
Em maneiras intermináveis eles procuravam desmantelar
Esta força misteriosa com que eles não podiam lidar
Em maneiras intermináveis eles tentavam destruir
A sua simples confiança, a sua alegria sem limites
A sua armadura invencível era um escudo de felicidade
Nada poderia tocá-lo, nenhum veneno, nenhuma vaia
O menino permanecia num estado de graça
Ele não estava confinado no tempo ou lugar
Em sonhos com cores brilhantes, ele fazia travessuras e brincava
Enquanto desempenhava a sua parte, na Eternidade ele ficava

Adivinhadores do futuro vinham e sortes eram contadas
Algumas eram veementes, outras eram ousadas
Em denunciarem este menino, esta criatura perplexa
Com o resto do mundo ele não partilhava característica
Ele é real? Ele é tão estranho
A sua natureza imprevisível não conhece limites
Ele intriga-nos tanto, ele é sincero?
Qual é o seu destino? Qual é a sua sorte?

E enquanto eles sussurravam e conspiravam
Através de rumores intermináveis para deixá-lo cansado
Para matar a sua maravilha, prejudicá-lo
Queimar a sua coragem, atear o seu medo
A criança permanecia apenas simples, sincera

Tudo o que ele queria era a montanha alta
Colorir as nuvens, pintar o céu
Além destes limites, ele queria voar
No esquema da natureza, nunca morrer

Não impeças esta criança, ele é o pai do homem
Não te atravesses no seu caminho, ele é parte do plano
Eu sou aquela criança, mas tu também és
Tu apenas te esqueceste, apenas perdeste a pista

Dentro do teu coração mora um visionário
Entre os teus pensamentos, ele pode ouvir
Uma melodia simples, mas impressionantemente clara
A música da vida, tão preciosa, tão querida

Se pudesses por um momento conhecer
Esta faísca da criação, esta chama requintada
Virias e dançarias comigo
Acenderias este fogo de maneira que nós pudéssemos ver
Todas as crianças da Terra
Criariam magia e dariam um novo nascimento
A um mundo de liberdade sem dor
Um mundo de alegria, muito mais sensato

No fundo, sabes que é verdade

Encontra esta criança, ela está escondida em ti.

poema de Michael Jackson

"Magical Child - Part I", do livro "Dancing The Dream - Poems And Reflections"

Michael Joseph Jackson (Gary, 29 de agosto de 1958 — Los Angeles, 25 de junho de 2009) foi um cantor, compositor, dançarino, produtor, empresário, arranjador vocal e filantrópico norte-americano. Segundo a revista Rolling Stone faturou em vida cerca de US$ 7 bilhões de dólares, fazendo dele o artista mais rico de toda a história, e um ano após sua morte faturou cerca de US$ 1 bilhão de dólares. Começou a cantar e a dançar aos cinco anos de idade, iniciando-se na carreira profissional aos onze anos como vocalista dos Jackson 5; começou logo depois uma carreira solo em 1971, permanecendo como membro do grupo.

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segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Pequena fábula, Franz Kafka



“Ah, disse o rato, “a cada dia que passa o mundo se torna mais estreito. No começo ele era tão amplo que me dava medo, eu continuava correndo e me sentia feliz por ver à distância, finalmente, as paredes da direita e da esquerda, mas essas longas paredes dirigem-se tão rápidas uma para a outra, que já estou no último quarto e lá no canto fica a ratoeira para onde eu corro.”
- ”Você só precisa mudar de direção”, disse o gato e devorou-o. 

Franz Kafka, in 'Pequena Fábula', Editora Autêntica.

Franz Kafka (Praga, 3 de julho de 1883 — Klosterneuburg, 3 de junho de 1924) foi um dos maiores escritores de ficção da língua alemã do século XX. Kafka nasceu numa família de classe média judia em Praga, Áustria-Hungria (atual República Checa).

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domingo, 18 de novembro de 2012

Go back, Torquato Neto


Você me chama
Eu quero ir pro cinema
Você reclama
Meu coração não contenta 
Você me ama
Mas de repente 
A madrugada mudou
E certamente
Aquele trem já passou
E se passou, passou 
Daqui pra melhor, foi
Só quero saber do que pode dar certo
Não tenho tempo a perder 


Torquato Neto

"Não é o meu país
É uma sombra que pende
Concreta
Do meu nariz em linha reta
Não é minha cidade
É um sistema que invento
Me transforma
E que acrescento
À minha idade
Nem é o nosso amor
É a memória que suja
A história que enferruja
O que passou
Não é você
Nem sou mais eu
Adeus meu bem
Adeus! Adeus!
Você mudou, mudei também
Adeus amor! Adeus!
E vem!"

Sergio Britto



A obra de Torquato inspirou Sergio Britto a fazer suas primeiras músicas, como "Go back", cuja letra ele musicou e acabou fazendo parte do LP de estréia dos Titãs. 


Torquato Pereira de Araújo Neto (Teresina, 9 de novembro de 1944 — Rio de Janeiro, 10 de novembro de 1972) foi um poeta, jornalista, letrista de música popular, experimentador da contracultura brasileiro.


Sergio Britto

Sérgio de Britto Álvares Affonso (Rio de Janeiro, 18 de setembro de 1959) é um músico brasileiro, integrante da banda Titãs.

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Veja ao vídeo
http://www.youtube.com/watch?v=AGtNXoid6LY&feature=related



sábado, 17 de novembro de 2012

Bernardo é quase árvore, Manoel de Barros


Bernardo é quase árvore.

Silêncio dele é tão alto que os passarinhos
ouvem de longe
E vêm pousar em seu ombro.
Seu olho renova as tardes.
Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho
1 abridor de amanhecer
1 prego que farfalha
1 encolhedor de rios - e
1 esticador de horizontes.
(Bernardo consegue esticar o horizonte usando 3
fios de teias de aranha. A coisa fica bem esticada.)
Bernardo desregula a natureza:
Seu olho aumenta o poente.
(Pode um homem enriquecer a natureza com a sua
incompletude?) 

Manoel de Barros, in 'Livro das Ignorãças', 1993 - XI (3ª parte - Mundo Pequeno) pg. 17


Manoel Wenceslau Leite de Barros (Cuiabá, 19 de dezembro de 1916) é um poeta brasileiro do século XX, pertencente, cronologicamente à Geração de 45, mas formalmente ao Modernismo brasileiro, se situando mais próximo das vanguardas européias do início do século e da Poesia Pau-Brasil e da Antropofagia de Oswald de Andrade. Recebeu vários prêmios literários, entre eles, dois Prêmios Jabutis. É o mais aclamado poeta brasileiro da contemporaneidade nos meios literários. Enquanto ainda escrevia, Carlos Drummond de Andrade recusou o epíteto de maior poeta vivo do Brasil em favor de Manoel de Barros. Sua obra mais conhecida é o "Livro sobre Nada" de 1996.

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Manoel_de_Barros





sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Alma numerosa, Murilo Mendes




Nascerei em outras terras, com olhos novos.
Deixarei minhas partes inferiores, a parte do diabo.
Não me perseguirão mais visões complicadas,
nem eu serei a luta entre as construções do meu espírito.
Pra subir tenho que largar esta pele multicor,
feiticeiro de mim mesmo, alma penada,
presa das formas exteriores, do cheiro, do movimento.
Me desdobrarei em planos infinitos, estarei nos olhos da criança nascendo,
na cabeça dos amantes, nos degraus do espaço,
na última luz dos velhos morrendo, no sonho do místico,
e em todos os lugares onde existir alguém sofrendo e amando.
Aqui não posso fazer o que penso. Me livrarei de mim mesmo
quando a luz enorme se anunciar pelos círios vacilantes
e a minha alma penetrar nos espaços futuros.

Murilo Mendes, in 'Poesias' (1925 - 1955) Rio de Janeiro, José Olympio, 1959 pg. 28

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Murilo_Mendes

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Hino Nacional, Carlos Drummond de Andrade

Bandeira do Brasil, Leni Dugulin


Precisamos descobrir o Brasil!
Escondido atrás das florestas,
com a água dos rios no meio,
o Brasil está dormindo, coitado.
Precisamos colonizar o Brasil.

O que faremos importando francesas
muito louras, de pele macia,
alemãs gordas, russas nostálgicas para
garçonnettes dos restaurantes noturnos.
E virão sírias fidelíssimas.
Não convém desprezar as japonesas.

Precisamos educar o Brasil.
Compraremos professores e livros,
assimilaremos finas culturas,
abriremos dancings e subvencionaremos as elites.

Cada brasileiro terá sua casa
com fogão e aquecedor elétricos, piscina,
salão para conferências científicas.
E cuidaremos do Estado Técnico.

Precisamos louvar o Brasil.
Não é só um país sem igual.
Nossas revoluções são bem maiores
do que quaisquer outras; nossos erros também.
E nossas virtudes? A terra das sublimes paixões...
os Amazonas inenarráveis... os incríveis João-Pessoas...

Precisamos adorar o Brasil!
Se bem que seja difícil caber tanto oceano e tanta solidão
no pobre coração já cheio de compromissos...
se bem que seja difícil compreender o que querem esses homens,
por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão de seus sofrimentos.

Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!
Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado,
ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.
O Brasil não nos quer! Está farto de nós!
Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?


Carlos Drummond de Andrade, in 'Brejo das almas', Rio de Janeiro: Record, 2001

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Drummond_de_Andrade





quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Faz escuro mas eu canto, Thiago de Mello


Sunrise by the ocean, Vladimir Kush

Faz escuro mas eu canto,
porque a manhã vai chegar.
Vem ver comigo, companheiro,
a cor do mundo mudar.
Vale a pena não dormir para esperar
a cor do mundo mudar.
Já é madrugada,
vem o sol, quero alegria,
que é para esquecer o que eu sofria.
Quem sofre fica acordado
defendendo o coração.
Vamos juntos, multidão,
trabalhar pela alegria,
amanhã é um novo dia.


Thiago de Mello, In 'Faz escuro mas eu canto', 1966
O poema acima foi extraído do livro "Faz escuro mas eu canto", Bertrand Brasil - 1999, Rio de Janeiro, pág. 60.

Amadeu Thiago de Mello (Barreirinha - AM, 30 de março de 1926) é um poeta brasileiro.
Natural do Estado do Amazonas, é um dos poetas mais influentes e respeitados no pais, reconhecido como um ícone da literatura regional.
Tem obras traduzidas para mais de trinta idiomas. Preso durante a ditadura (1964-1985), exilou-se no Chile, encontrando em Pablo Neruda um amigo e colaborador. Um traduziu a obra do outro e Neruda escreveu ensaios sobre o amigo.
Publicou mais de 50 livros entre os quais: Silêncio e Palavra, Narciso Cego, Estatuto do Homem, Faz Escuro Mas Eu Canto, Num Campo de Margaridas e outros. 


Poemas:

Silêncio e Palavra, 1951

Narciso Cego, 1952

A Lenda da Rosa, 1956

Vento Geral, 1960 (reunião dos livros anteriores e mais dois inéditos: Tenebrosa Acqua e Ponderações que faz o defunto aos que lhe fazem o velório)

Faz Escuro, mas eu Canto, 1965

A Canção do Amor Armado, 1966

Poesia comprometida com a minha e a tua vida, 1975

Os Estatutos do Homem, 1977 (com desenhos de Aldemir Martins)

Horóscopo para os que estão Vivos, 1984

Mormaço na Floresta, 1984

Vento Geral – Poesia 1951-1981, 1981

Num Campo de Margaridas, 1986

De uma Vez por Todas, 1996

Prosa:

Notícia da Visitação que fiz no Verão de 1953 ao rio Amazonas e seus Barrancos, 1957

A Estrela da Manhã, 1968;

Arte e Ciência de Empinar Papagaio, 1983

Manaus, Amor e Memória, 1984

Amazonas, Pátria da Água, 1991 (edição de luxo, bilíngüe (português e inglês), com fotografias de Luiz Cláudio Marigo).

Amazônia — A Menina dos Olhos do Mundo, 1992

O Povo sabe o que Diz, 1993

Borges na Luz de Borges, 1993.

Discos:

Poesias de Thiago de Mello, 1963

Die Statuten des Menschen. Cantata para orquestra e coro. Música de Peter Jansens, 1976

Thiago de Mello, Palabra de esta América. Casa de las Américas. La Habana, 1985

Mormaço na Floresta. Locução do autor, 1986

Os Estatutos do Homem e Poemas Inéditos, 1992

terça-feira, 13 de novembro de 2012

A verdade, Franz Kafka

Psychedelicological II, Unvision by DerrickT

A verdade é tudo aquilo que o homem precisa para viver, não pode ganhar nem comprar dos outros.

Todo homem deve produzi-la sempre no seu íntimo, se não ele se arruína.

Viver sem a verdade é impossível, mas não exagere o culto da verdade.

Não há um único homem no mundo, que não tenha mentido muitas vezes e com razão. 

Franz Kafka

in 'Conversas com Kafka', Gustav Janouch, Editora Novo Século, 1986.

(Praga, 3 de julho de 1883 — Klosterneuburg, 3 de junho de 1924) foi um dos maiores escritores de ficção da língua alemã do século XX. Kafka nasceu numa família de classe média judia em Praga, Áustria-Hungria (atual República Checa). Formado em Direito. O conjunto de seus textos— na maioria incompletos e publicados postumamente — situa-se entre os mais influentes da literatura ocidental.
Em obras como a novela A Metamorfose (1915) e romances como O Processo (1925) e O Castelo (1926) retrata indivíduos preocupados com um pesadelo de um mundo impessoal e burocrático.
Sua obra falava dos sentimentos após o surgimento das grandes cidades. Não desejava transmitir beleza a partir de seus textos, que eram cheios de detalhes que precisavam ser considerados para o leitor ter maior clareza.

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Franz_Kafka



segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Não me fio, Lilly Falcão



Não me fio
em indivíduos
que se amam e não sabem se libertar

Não me fio
em alguns fios
que nos dão nós e esquecem de enlaçar

Não me fio
em nada nesse mundo
que impeça a Poesia de pousar – e repousar.

Lilly Falcão

Lilly  Falcão, brasileira que se diz matuta de Timbaúba (PE), reside em Recife (PE). Publicou em várias antologias: "Crônicas" (Anjos de Prata, 2005 e 2006); "Poemas"(Mosaico Ed. Andross 2005), tendo sido a vencedora do concurso nacional de depoimentos sobre a obra de Fernando Sabino, texto publicado no prefácio da edição comemorativa dos 50º aniversário da obra "O encontro marcado". Venceu, também, o 1º Concurso de Poesia da Editora Arte Literária, São Paulo/2007; e o 1º Concurso de Microcontos da Andross Editora, São Paulo/2007. É advogada e servidora do Tribunal Regional Federal.

domingo, 11 de novembro de 2012

Meus tesouros, Osho




"Havia um rei que todas as noites costumava dar umas voltas pela cidade para ver como estavam as coisas - é claro que ele ia disfarçado.
Certa vez ele encontrou um rapaz muito belo, sentado em baixo de uma árvore, e viu que todas as noites o rapaz estava ali, no mesmo lugar.
Até que uma noite ele se aproximou e perguntou ao rapaz: porque você não vai para sua casa dormir?
E o jovem respondeu: As pessoas vão para suas casas dormir porque elas nada têm para guardar. Eu tenho tesouros tão grandes que não posso dormir, preciso guardá-los.
O rei disse: que estranho, não vejo nenhum tesouro por aqui?
O jovem explicou: Esses tesouros estão dentro de mim, o senhor não os pode ver.
Daí que todas as noites os dois conversavam e o rei começou a ver no jovem um santo, um sábio, que emanava uma aura de amor, de compaixão, de silêncio e meditação. A amizade e a confiança cresceram até que uma noite o rei o convidou a ficar hospedado em seu palácio.
Acreditando que o jovem não aceitaria, o jovem aceitou.
Ofereceu-lhe o melhor aposento, acreditando que o jovem recusaria, mas o jovem aceitou.
E ali passou dias, dormindo bem, se alimentando bem...
E isso fez o rei ficar desconfiado; será que ele tinha sido enganado, que o jovem era um oportunista, que a santidade era falsa..
No sétimo dia, o rei ia convidá-lo a se retirar, e aí lhe fez uma pergunta:
Qual a diferença entre você e eu?
O jovem sorriu, e disse venha comigo que lhe responderei.
Os dois tomaram seus cavalos e foram até a fronteira do reino.
O rei disse: bem chegamos a minha fronteira, na outra margem é um outro reino não posso seguir.
As margens do rio, o jovem saltou do cavalo e disse: Bem daqui estou indo. O senhor pode ficar ou se quiser pode vir comigo.
Aonde você vai, perguntou o rei?
O jovem disse: meus tesouros estão comigo, aonde quer que eu vá. O senhor vem comigo?
Como posso ir, respondeu o rei, meu palácio, minha família todos estão atrás de mim...
O jovem então disse: está é a diferença entre nós. Eu posso me sentar em baixo da árvore, ou viver em um palácio como um imperador, porque meus tesouros estão dentro de mim. Se é debaixo de uma árvore ou se é dentro de um palácio não faz diferença. O senhor pode voltar, eu estou indo para o outro reino.
O rei se arrependeu, tocou-lhe os pés e pediu perdão..
O jovem sorriu e disse, não me peça desculpas...
Ir ou ficar não faz diferença. Meus tesouros vão comigo aonde eu for...já os seus..."

Osho 

in 'Autobiografia de um Mistico Espiritualmente Incorreto', Editora Cultrix


Rajneesh Chandra Mohan Jain (Índia, 11 de Dezembro de 1931 - 19 de Janeiro de 1990) é o fundador de um movimento filosófico-místico, primeiro na sua terra natal e mais tarde nos Estados Unidos. Apesar de que, ele não se intitula filósofo, mas sim um místico. Durante a década de 1970 foi conhecido pelo nome de Bhagwan Shree Rajneesh e mais tarde como Osho. Osho é um renunciante, ou seja, dedicou sua vida a disseminar a sua experiência da verdade, sendo mantido pelos seus discípulos (chamados sannyasins).


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