...
Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente nos
cabelos. A incidência da linha de milhões de folhas transformadas em
uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi-las a mim.
Isso me acontece tantas vezes que passei a me considerar modestamente a
escolhida das folhas. Com gestos furtivos tiro a folha dos meus cabelos
e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto diamante. Até que um dia,
abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada,
morta. Jogo-a fora: não me interessa fetiche morto como lembrança. E
também porque sei que novas folhas coincidirão comigo. Um dia uma folha
me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza.”
Clarice Lispector
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