Jean-Baptiste Monge illustrations
Era uma
vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo.
Ele era um pássaro
diferente de todos os demais: era encantado.
Os pássaros comuns,
se a porta da gaiola ficar aberta, vão-se embora para nunca mais voltar. Mas o
pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades… As suas penas
também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos
lugares estranhos e longínquos por onde voava. Certa vez voltou totalmente
branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão…
— Menina, eu venho das montanhas frias e cobertas de neve, tudo
maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a
não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das
árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que vi, como presente
para ti…
E, assim, ele
começava a cantar as canções e as histórias daquele mundo que a menina nunca
vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro.
Outra vez voltou
vermelho como o fogo, penacho dourado na cabeça.
— Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem
água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não
se apaga. As minhas penas ficaram como aquele sol, e eu trago as canções
tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza
dos campos verdes.
E de novo começavam
as histórias. A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após
dia. E o pássaro amava a menina, e por isto voltava sempre.
Mas chegava a hora
da tristeza.
— Tenho de ir — dizia.
— Por favor, não vás. Fico tão triste. Terei saudades. E vou
chorar…— E a menina fazia beicinho…
— Eu também terei saudades — dizia o pássaro. — Eu também vou chorar. Mas vou contar-te um
segredo: as plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam
dos rios… E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera do
regresso, que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não
haverá saudade. Eu deixarei de ser um pássaro encantado. E tu deixarás de me
amar.
Assim, ele partiu.
A menina, sozinha, chorava à noite de tristeza, imaginando se o pássaro
voltaria. E foi numa dessas noites que ela teve uma ideia malvada: “Se eu o
prender numa gaiola, ele nunca mais partirá. Será meu para sempre. Não mais
terei saudades. E ficarei feliz…”
Com estes
pensamentos, comprou uma linda gaiola, de prata, própria para um pássaro que se
ama muito. E ficou à espera. Ele chegou finalmente, maravilhoso nas suas novas
cores, com histórias diferentes para contar. Cansado da viagem, adormeceu. Foi
então que a menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na
gaiola, para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz.
Acordou de
madrugada, com um gemido do pássaro…
— Ah! menina… O que é que fizeste? Quebrou-se o encanto. As
minhas penas ficarão feias e eu esquecer-me-ei das histórias… Sem a saudade, o
amor ir-se-á embora…
A menina não
acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas não foi isto que
aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ficando diferente. Caíram as plumas
e o penacho. Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num
cinzento triste. E veio o silêncio: deixou de cantar.
Também a menina se
entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite ela
chorava, pensando naquilo que havia feito ao seu amigo…
Até que não
aguentou mais.
Abriu a porta da
gaiola.
— Podes ir, pássaro. Volta quando quiseres…
— Obrigado, menina. Tenho de partir. E preciso de partir para
que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas
coisas boas começam a crescer dentro de nós. Sempre que ficares com saudade, eu
ficarei mais bonito. Sempre que eu ficar com saudade, tu ficarás mais bonita. E
enfeitar-te-ás, para me esperar…
E partiu. Voou que
voou, para lugares distantes. A menina contava os dias, e a cada dia que
passava a saudade crescia.
— Que bom — pensava ela — o meu pássaro está a ficar encantado de novo…
E ela ia ao
guarda-roupa, escolher os vestidos, e penteava os cabelos e colocava uma flor
na jarra.
— Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje…
Sem que ela se
apercebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado, como o pássaro. Porque ele
deveria estar a voar de qualquer lado e de qualquer lado haveria de voltar. Ah!
Mundo maravilhoso,
que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama…
E foi assim que
ela, cada noite, ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento:
“Quem sabe se ele voltará amanhã….”
E assim dormia e
sonhava com a alegria do reencontro.
Rubem Alves