Não aprendi a colher a flor
sem esfacelar as pétalas.
Falta-me o dedo menino
de quem costura desfiladeiros.
Criança, eu sabia
suspender o tempo,
soterrar abismos
e nomear as estrelas.
Cresci,
perdi pontes,
esqueci sortilégios.
Careço da habilidade da onda,
hei-de aprender a carícia da brisa.
Trémula, a haste
me pede
o adiar da noite.
Em véspera da dádiva,
a faca me recorda, no gume do beijo,
a aresta do adeus.
Não, não aprenderei
nunca a decepar flores.
Quem sabe, um dia,
eu, em mim, colha um jardim?
Mia Couto
(Maputo, 2006)
in "Idades Cidades Divindades" (Lisboa: Caminho) 2007, pág. 27-28
António Emílio Leite Couto (Beira, 5 de Julho de 1955), é um biólogo e escritor moçambicano.
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Mia_Couto
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